Pode alguém assumir o lugar de outro a perfeição? Keith Donohue nos mostra que sim, pelo menos à primeira impressão em seu livro A Criança Roubada. O autor nos apresenta os hobgoblins ou fadas das florestas, criaturas que permeiam o imaginário popular e que mostram ser muito reais e capazes de um ato terrível… ao se tornar um changeling essas criaturas trocam de lugar com uma criança, escolhida à dedo, assumem suas feições, sua vida e a criança torna-se um hobgoblin.
Foi o que aconteceu com o garotinho Henry Day em 1949. Ao fugir de casa, teve sua vida roubada e usurpada por um desses seres e se viu ele mesmo transformado em um. Passamos então a acompanhar o processo de adaptação do changeling em Henry Day e o de Henry Day em Aniday. Encantamos-nos por Aniday e também pelo suposto Henry Day. A descrição que Donohue faz desse processo é rica em detalhes, sensível e enternecedora. Os processos de aprender viver na floresta e o de aprender viver em uma casa de humanos, apesar de tão díspares, mostram-se semelhantes. O processo se resume a luta pela sobrevivência e a busca pelo eu. Aniday luta para não esquecer seu eu anterior, não deixar escapar entre os fios das memórias tão frágeis as sensações, rostos e lembranças de sua família. Enquanto Henry Day luta contra a verdade de que ele antes era um changeling, verdade esta que ele não consegue deixar para trás.
E nesse vaivém entre a história de Aniday e de Henry Day, acompanhamos o crescimento, a vida, as histórias que permeiam a vida de ambos, e os cruzamentos esporádicos entre a vida dos dois, conduzidos com maestria por Donohue e contribuindo para dar a história um caráter mágico, melancólico, alegre…
A um primeiro momento sentimos raiva do usurpador, afinal, com que direito ele impede um garotinho de viver sua vida? Mas, depois nos lembramos (ou melhor, somos lembrados) que ele também fora um garotinho um dia e que o mesmo ato de viver sua vida lhe foi negado. Passamos a sentir pena dele, a entender que tudo o que ele queria era ter uma segunda chance. Mas e Aniday? Pois é, a dualidade na pena, na empatia e na torcida nos acompanha durante toda a leitura do livro. E o fim? Bem o fim não poderia ser outro, em minha opinião, conclui a obra de forma singela, triste e feliz ao mesmo tempo. Um verdadeiro encontro do conto de fadas com a vida real.
A Criança Roubada é um romance sobre a perda e a construção da identidade e a importância que ela tem em nossas vidas. Um conto de fadas que recorre à seres fantásticos de forma criativa e fascinante e nos faz refletir sobre os propósitos da existência. Retomando a pergunta inicial, respondo que ninguém pode assumir o lugar de outro à perfeição, os pequenos detalhes, aqueles a que menos damos atenção no dia-a-dia, provocam os deslizes, a falha em imitar a identidade de outrem. Você sempre será o somatório de suas experiências, e elas seguirão com você até o fim.
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Na série Outlander, da Diana Gabaldon, diversas vezes ela menciona o “povo das fadas” que supostamente troca os bebês nos berços e os deixa deformados e chorões. Aí os pais (pega a maldade) deixam os filhos numa colina de fadas com algumas guloseimas para tentar as fadas a trocar os filhos… Na maior parte das vezes, o bebê “trocado” morria na madrugada…
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Nossa, que maldade mesmo. Acho interessante como algo do imaginário popular pode render as mais variadas histórias. Acho que você iria gostar de ler esse livro. =)
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Pingback: Um Autor de Quinta #60 | Blablabla Aleatório
super recomendo!
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