Três anos depois dos eventos narrados em Criança 44, encontramos novamente o agora ex-agente da MGB (a antiga polícia secreta soviética) Liev Demidov. Liev agora é encarregado do departamento de homicídios criado três anos atrás e sua maior preocupação é se redimir de seus pecados passados e fazer com que a filhas adotivas, Zoia e Elena, o perdoem por ter feito parte no assassinato de seus pais e que junto com Raíssa, possam viver como uma família. Mas, o passado de Liev é muito consistente para ser simplesmente relevado, e uma ação do passado traz consequências para a vida de Liev sete anos depois.
Em 1949, ele foi responsável pela prisão de Lazar e Anísia em sua primeira ação pela MGB. Eles não foram os únicos, muitos outros foram destinados a sofrerem o duro tratamento reservado aos “espiões”, e talvez permanecessem no anonimato e relegados à lembrança se não fossem pelos recentes distúrbios políticos proporcionados pela divulgação do Discurso Secreto pelo então chefe de estado Nikita Kruschov. O Discurso foi distribuído por toda a Rússia e em vez de enaltecer os atos de Stálin como seus antecessores, ele vinha clamando por justiça, deixando claro para a nação todos os erros e ações cometidos pelo Estado. Como resultado estão acontecendo revoltas, levantes populares e as pessoas que sofreram no passado começam a buscar sua vingança. É assim que Lazar e Anísia retornam à vida de Liev, que se vê obrigado a encarar seus erros, sofrer por eles e pagar por eles com a sua família…
Em Criança 44, Smith proporcionou a caçada a um assassino em meio a uma União Soviética Stalinista, severa e bruta com todos que ousassem se erguer contra o governo e para a qual admitir a ocorrência de um assassinato era o mesmo que admitir que extraterrestres habitassem a Terra (dizer que isso era incongruente com a política punitiva exercida pelo Estado é pouco). Já em O Discurso Secreto, o autor não traz um crime para ser investigado. Desta vez Smith traz uma União Soviética pós-stalinista, que vive um tempo de insurreições e vinganças por parte daqueles que tanto tempo ficaram silenciados. A política deixou de ser cenário para se tornar protagonista.
“[…] Não acredite que eles serão mais gentis que Stálin. O espírito dele ainda sobrevive, não em uma pessoa, mas difuso em várias. É difícil ver, mas não se iluda: ele está lá.”
Tom Rob Smith já trabalhou como roteirista para televisão e talvez seja dessa experiência que ele retira elementos e características textuais que ajudam a imprimir um ritmo frenético a narrativa. Essa característica que poderia tornar o texto um pouco mecânico e superficial (como um roteiro mesmo), é compensada pelo cuidado em trabalhar as nuances psicológicas de seus personagens. O que fica evidente pela sua escolha de protagonista. Liev Demidov não é mocinho, ele já foi bandido (e por mais que tenha sido sob as asas do governo ele tem grande culpa no cartório) e ele mesmo não se perdoou. A todo o momento somos lembrados de suas ações cruéis do passado, mas ao mesmo tempo, é impossível não sentir empatia pela esperança redentora característica do personagem. Preparem-se para muitos momentos de ação e muita tramoia política, elementos usados com propriedade pelo autor e que te prendem de forma irremediável à narrativa. Em seu segundo romance Smith não deixa a desejar e vem para mostrar que não é autor de um livro só.
Apesar de O Discurso Secreto ser considerado uma sequência de Criança 44, ambos os romances podem ser considerados como obras únicas ambientadas em um mesmo período político. Quem leu Criança 44 não é obrigado a ler O Discurso Secreto (mais eu recomendo muito que o faça) já que a história tem começo, meio e fim. Por outro lado, se você ainda não leu Criança 44 e quer partir logo para a leitura de O Discurso Secreto, vá em frente e sem medo de possíveis spoilers da trama antecessora.
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