No dia 16 de abril de 2007, um atirador solitário assassinou 32 pessoas no Instituto Politécnico da Universidade da Virgínia e depois se suicidou. Esse ataque é considerado o maior massacre em uma universidade dos Estados Unidos. Foi esse episódio devastador que serviu de catalisador para Kathryn Erskine (que mora na Virgínia) criar uma história que falasse sobre como eventos desse tipo abalam nossas vidas e de como podemos lidar com eles, uma história que também servisse de grito de alerta, uma mensagem sobre como se pode ajudar a evitar a escalada da violência, simplesmente ouvindo e compreendendo o próximo. Também surgiu da necessidade de explicar como é para uma criança ser portadora de Asperger. A sua dificuldade de se fazer compreender e o trabalho que pode ser feito pela família e pela escola para ajudá-los. Foi assim que surgiu a protagonista Caitlin, uma garota de 10 anos, portadora de Asperger que de repente se vê privada da presença de seu irmão mais velho, assassinado em uma tragédia escolar, e tendo que lidar com o sentimento de perda que fez com que sua vida e a de seu pai desmoronasse.
Para Caitlin tudo é preto e branco, qualquer variação disso lhe dá uma baita sensação de recreio no estômago e uma vontade imensa de fazer bicho de pelúcia ou se aconchegar em seu esconderijo favorito. Era Devon, seu irmão mais velho, que entendia Caitlin, era por meio dele que o mundo fazia sentido a ela. Era ele que lhe ajudava a encarar o mundo e nesse novo mundo sem Devon, a comunicação está mais difícil. Com sua maneira peculiar de ver o mundo, Caitlin não percebe que está passando ao largo da perda recente e o pai vê-se de uma só vez privado de um filho e incapacitado de lidar com a filha. Entra em cena a Sra. Brook, terapeuta escolar de Caitlin, a adulta com quem mais ela fala atualmente e quem mais lhe incentiva no estabelecimento de novos relacionamentos.
“Não quero Devon por perto de um jeito diferente. Quero Devon por perto do mesmo jeito. Do jeito que era antes.
(…)
Esse é o Devon que eu quero. Não o que fica flutuando no ar.”
“Fico olhando para o papel. Ele ia me ensinar a trabalhar em madeira. E então me dou conta de que ele me ensinou tudo que sei e que agora talvez eu nunca mais volte a Captar O Sentido de coisa alguma porque ele não está mais aqui para me ensinar.”
Uma noite, no qual os sentimentos pela perda de Devon acabam aflorados, Caitlin vê no jornal uma repórter falando sobre o desfecho para o massacre da escola e ao procurar o significado da palavra em seus dicionários ela tem a certeza que é disso que ela e o pai precisam para superar o desmoronamento de suas vidas. Ela então parte em sua jornada pessoal de busca pelo Desfecho.
As palavras, mais do que nunca têm papel primordial em Passarinha. Sei que isso soa redundante, palavras serem importantes em livros, ah tá, conta outra novidade… Mas, não estou me referindo a qualquer tipo de palavra, me refiro àquelas palavras grandes, retumbantes, palavras que Caitlin ama, não gosta, que permanecem sendo um mistério ou que passaram a fazer sentido após um acontecimento. Palavras que enchem o texto de Kathryn de simbolismos e de múltiplos significados. E aqui é importante destacar a nota de tradução no início do livro. Os símbolos, palavras e termos com vários significados, na medida do possível foram mantidos na tradução e os que porventura perderiam essa marca ao serem traduzidos para o português, foram mantidos no idioma original, mas explicados com clareza nessa seção.
O livro é curtinho, mas não pense que a leitura é rápida, e não, a narrativa de Kathryn não é ruim, mas é que Passarinha é tão carregado de simbolismos, elementos intertextuais, e conta com uma carga emocional tão grande que até penso que é melhor assim. Desvendar o mundo de Caitlin pouco a pouco, se encantar com a riqueza de diálogos que Kathryn faz com a obra de Harper Lee (O Sol é Para Todos) e com o simbolismo representado pelo desenho infantil Bambi, enfrentar a dor da perda em doses homeopáticas e buscar com ela o Desfecho. Preparem-se para momentos de pura emoção, daqueles de travar a garganta.
Katrhyn realmente nos faz mergulhar no mundo de uma criança de 10 anos com Asperger e o faz com a propriedade de uma mãe que tem uma filha diagnosticada com a síndrome. Talvez seja por isso que não estranhamos a narração feita por Caitlin, tudo é muito natural, sua forma peculiar de entender o mundo, a dificuldade em Captar O Sentido das coisas, de entender as expressões faciais ou Olhar Para a Pessoa. É assim que somos cativados por Caitlin. Mesmo que ela não capte O Sentido todas às vezes, ela sabe transmiti-lo muito bem e por mais que ela abomine que invadam o seu Espaço Pessoal (ou das outras pessoas), é impossível não sermos arrebatados para o mundo dessa garotinha. Um mundo que pouco a pouco, em meio a dor, compreensão, solidariedade e superação, vai ganhando cores e que apesar de confuso, é bonito.
“Embora eu não gostasse da empatia ela é uma coisa assim que chega sem avisar e faz você sentir um calorzinho gostoso no Coração. Acho que não quero voltar para uma vida sem empatia.”
Compre aqui:
![]() |
![]() |
![]() |
![]() |
![]() |
![]() |
![]() |
Pingback: O Estranho Caso do Cachorro Morto (Mark Haddon) | Blablabla Aleatório
Pingback: Leia Mulheres: Temas Sérios/Sociais | Blablabla Aleatório
Pingback: TAG Livros & blá blá blá | Blablabla Aleatório