Após escrever os primeiros capítulos de O Senhor dos Anéis, Tolkien deixou a obra em banho-maria durante alguns meses enquanto ruminava sobre como fazer para continuar a história e ligá-la ao seu primeiro romance O Hobbit. Bem, não é segredo para ninguém que o Um Anel foi o elo encontrado por ele para unir as duas histórias e criar uma das melhores sagas de fantasia de todos os tempos (ah, me deixa enaltecer um dos meus autores favoritos) e é justamente sobre como ele chegou a essa solução que Ridpath repousa o arcabouço de seu romance policial. Ambientado na Ilha do Fogo e do Gelo, Onde as Sombras se Deitam é o primeiro romance de uma série que tem como protagonista o detetive islandês Magnús Ragnarsson. E Tolkien e sua mitologia foram escolhidos como cartão de visita para que por meio da mitologia, Ridpath nos apresentasse esse país rico em misticismo e lendas. Mas, é lá em Boston que essa história começa…
É em Boston que vive Magnus Jonson. Ele foi para os Estados Unidos com o pai e o irmão quando adolescente, após a morte da mãe. E foi ali que ele também perdeu o pai, assassinado. Um assassinato que nunca foi resolvido e que acabou levando Magnus a largar a faculdade e ingressar na Polícia de Boston, onde se tornou sargento-detetive. A carreira ia muito bem obrigado, mas durante uma investigação ele acaba descobrindo um sistema de corrupção no próprio departamento e não hesita em denunciar o que acaba deixando-o na mira da gangue beneficiada e dos policiais corruptos. Sendo a principal testemunha do caso, seu vice-superintendente decide enviá-lo como consultor para a força policial da Islândia, uma abordagem eufêmica para colocá-lo em um tipo de serviço de proteção à testemunha. É assim que Magnus, agora novamente Magnús Ragnarsson, se vê envolvido na investigação do assassinato de Agnar Haraldsson, professor de islandês na Universidade da Islândia. O assassinato parece envolver um misterioso documento que poderá colocar algumas esferas em polvorosa e tem como principais suspeitos Steve Jubb, um caminhoneiro viciado em sagas e na obra tolkieniana e um misterioso fã que se autodenomina Isildur.

Lago Thingvellir. Local onde o corpo de Agnar foi encontrado. Fonte e para fotos de outras locações utilizadas na obra visite: http://michaelridpath.com/iceland-photo-gallery-1.html#
É assim que Magnús acaba mergulhando no mundo dos sites e fóruns dedicados à esmiuçar a obra tolkieniana, alguns por puro modismo (“os fãs dos filmes”) e outros com discussões para lá de filosóficas. Para quem até um tempo atrás dedicava um pouco do seu tempo para discutir sobre as obras do autor e que de quebra acabou conhecendo muita gente boa por causa disso, bem, é impossível não rolar uma identificação. Como não se identificar com isso?
“Havia muitos fãs de O Senhor dos Anéis por aí. Pareciam se dividir entre amadores e obcecados. Os amadores em sua maioria eram garotos de 13 anos que não sabiam nem escrever direito, tinham visto os filmes e achavam os Balrogs bem legais. (…)
Essas postagens curtas eram sobrepujadas pelos grandes artigos dos obcecados, que escreviam milhares de palavras sobre aspectos obscuros da Terra-Média, o mundo inventado por Tolkien. Havia disputas sobre se os Balrogs tinham asas verdadeiras ou metafísicas, ou porque não haviam jovens entes, ou sobre quem ou o quê de fato era Tom Bombadil.”
Agora, apesar de o assunto ser bem interessante, a narrativa de Ridpath é um tanto árida. Onde as Sombras se Deitam não é daqueles livros que você lê de uma vez só, característica que prezo muito nos romances policiais e nos thrillers, pois é algo que contribui para a imersão do leitor na trama. Outro ponto negativo se deve à construção de seu protagonista. O autor investiu pesado no background do personagem, o lance do assassinato do pai, a renegação dele e do irmão pela família materna, para no final das contas nem aprofundar merecidamente no que criou. Espero que isso seja sanado nos próximos livros da série. Mas, além disso, à Magnús falta o carisma necessário para que role uma empatia e que torçamos por ele, seja no caso envolvendo os policiais corruptos, ou nos seus embates com Baldur (seu chefe imediato) durante a investigação criminal na Islândia. Ouso afirmar que mais do que o lado policial da trama, o que mais me encantou e me fez grudar na leitura foi a onipresença da obra de Tolkien durante toda a leitura, além é claro do grande espaço dedicado à mitologia viking e às sagas islandesas. O meu lado tolkieniano ficou muito satisfeito com a forma como o tema foi abordado. Já o meu lado fã de romances policiais ficou na espera pelo algo mais que não veio. Não é um romance que eu indicaria para qualquer um. Em suma, se você gostar de tramas policiais e engrossar as fileiras do fandom tolkieniano, é um romance que indico a título de curiosidade, de ver como algo que gostamos pode ser utilizado como tema central para uma história que não seja fantástica ou um tratado sobre construções de mundos e guias de estudo. Agora se o seu interesse se resume apenas à crimes e investigações, bem você pode ficar um tanto quanto desapontado e talvez seja melhor conhecer o autor por seus thrillers envolvendo o mundo financeiro, águas pelas quais ele navega há muito mais tempo. E bem, é realmente uma pena que nos próximos livros, ao que parece, não hajam mais cartas perdidas, ou novas sagas a serem descobertas, tenho a impressão de que apenas o meu encanto pela Islândia não será suficiente para me fazer continuar a acompanhar as aventuras do detetive Magnús.
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