Depois de ter sido fisgada pelo estilo da narrativa da Moriarty em Pequenas Grandes Mentiras (que a propósito virará série televisiva), mais do que depressa coloquei O Segredo do Meu Marido no topo da pilha de leituras ainda que já o tivesse na estante há tempos (my mistake). Neste livro, Moriarty continua mostrando porque é uma exímia contadora de histórias de pessoas comuns e aparentemente pouco interessantes, e que situações cotidianas, que beiram o ordinário, podem render tramas surpreendentes.
Moriarty segue aqui a sua fórmula de lançar tramas paralelas que aos poucos começam a se entrelaçar e entregar o arcabouço da trama mãe. A história tem início com as histórias de três mulheres: Cecilia, Rachel e Tess. Cecilia é casada com John-Paul há quinze anos e tem três filhas. Ela tem uma vida extremamente organizada. Todos os seus afazeres diários, bem como a sua casa, são rigorosamente controlados. Mas um dia, seu controle é perdido, porque no sótão em meio aos papeis antigos do marido ela encontra uma carta endereçada a ela, para ser aberta apenas após a morte dele. Tess acabou de receber a notícia de que seu casamento acabou. Felicity, sua prima e praticamente única amiga, envolveu-se com seu marido. Com a vida matrimonial destruída e a profissional indo pelo mesmo caminho já que os três tinham uma empresa juntos, ela decide abandonar tudo e partir com o filho para a casa da mãe em Sidney. Rachel acabou de descobrir que o filho, a nora e o neto irão se mudar para Nova York. O garotinho é seu único alento desde a tragédia que abateu sua família em 1984.
Cecilia, Tess e Rachel mal conhecem uma a outra, mas têm suas vidas ligadas pela comunidade do St. Angela. A escola onde Rachel trabalha como secretária e os filhos das outras duas estudam. A narrativa alterna-se entre as três e aos poucos vamos conhecendo mais sobre os seus cotidianos, os problemas familiares, seus passados e seus segredos. O entrelaçamento das três tramas é sutil, até que atinge o seu ápice, quando Cecilia decide abrir a carta de John-Paul.
Cecilia abre a carta, mas como já é do feitio da Moriarty, ela nunca revela tudo de uma vez. Solta algumas pistas e só. Os leitores que roam as unhas tentando fazer os pedaços fazerem sentido. Ela é boa em manter o suspense até o momento certo de lançar a bomba. E a carta de John-Paul é uma verdadeira bomba, que explode sobre Cecilia e a família e resvala em outras pessoas também.
“O que fazer Cecilia? O que fazer? Como ela poderia dar um jeito nisso? Como poderia consertar as coisas? Ela dava um jeito nas coisas. Consertava tudo. Deixava tudo em ordem. ” (Página 161)
“Estou tendo um ataque de nervos, pensou ela, com alívio. Estou prestes a perder a cabeça, e não há problema algum nisso porque esta situação não pode ser consertada. É simplesmente incorrigível. ” (Página 163)
Um único ato pode definir uma pessoa para sempre? Cecilia deve relevar a falta de John-Paul por causa de todos os anos que já viveram juntos? Pode ela relevar e esquecer para poupar a sua família, mesmo que manter esse segredo possa estragar a vida de outras pessoas?
O segredo de John-Paul é bem previsível, nós suspeitamos com quase certeza o que ele esconde, porque até o momento bombástico da revelação, Moriarty já lançou tantas dicas que apenas um leitor mais desatento pode não captar. Tanto é que entregar qual o seu segredo aqui não constituiria um spoiler maléfico para o acompanhar da trama (só não entrego porque não quero ser apedrejada). O que importa é que a trama de Moriarty não se fundamenta no segredo em si, mas sim em como ele mudou e ainda pode mudar a vida de todas as pessoas relacionadas a ele. E acompanhar o dilema de Cecilia em abrir ou não esse segredo aos interessados, e todo o desenrolar trágico que poderia ter sido evitado, é o que te prende até o fim.
O paralelo que Moriarty traça entre a sua história com o evento da queda do Muro de Berlim funcionou muito bem. Foi por causa dele, para ser mais específica por um pedaço dele, que o mundo de Cecilia começou a ruir, e assim como o Muro deixou de manter as pessoas separadas, o “muro” que John-Paul manteve intacto por tantos anos deixou de proteger o mundo da família Fitzpatrick que se viu tendo que enfrentar as consequências de uma atitude impensada.
Mais uma vez Moriarty mostra que é especialista em lidar com o disse me disse, com os mal-entendidos e as conclusões precipitadas. A mistura de problemas diários, uma terrível tragédia e inúmeros segredos, rendeu uma história com muito drama, com um certo ar de romance investigativo e sobrou espaço até para o romance, desconjuntado e desajustado, mas ainda assim um romance. De bônus, Moriarty ainda traz um epílogo que escancara todas as possibilidades suprimidas pelos segredos. Todos os destinos que poderiam ter sido diferentes, caso os segredos não fossem mantidos. Depois de ler O Segredo do Meu Marido você pensará duas vezes antes de abrir quaisquer cartas destinadas a um evento pós-morte. Pandora provavelmente iria lhe aconselhar a não o fazer até que seja necessário.
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