Fragmentados é daqueles livros que você começa a ler sem maiores pretensões: “ah, mais uma distopia, deve ser legal…”, mas, de repente se vê imerso em uma história repleta de reflexões políticas, sociais e éticas e tudo isso em uma história com um ritmo frenético, personagens interessantes e uma trama que te fisga desde o início.
Na Terra futura imaginada por Shusterman, houve uma Segunda Guerra Civil conhecida como “Guerra de Heartland”. Foi um conflito longo e sangrento entre os grupos “Pró-Vida” e “Pró-Escolha” – é, se você logo lembrou das discussões recentes sobre aborto e a ingerência da bancada religiosa na vida de toda a sociedade, você não está muito longe do cerne utilizado por Shusterman para criar a sua história. A diferença, é que no mundo imaginado por Shusterman, a “Lei da Vida” foi criada para satisfazer ambos os grupos e assim acabar com a guerra. E é aqui que Shusterman escancara o quão longe podemos ir em prol dos próprios interesses, ainda que as perspectivas não sejam nenhum um pouco razoáveis. Isso porque, a Lei da Vida declara que a vida humana é intocável desde o momento da concepção até que a criança complete 13 anos. Dos 13 aos 18 anos, os adolescentes podem ser “abortados” retroativamente, basta um dos pais ou o responsável por ela assim o determinar. A única condição é que a vida desses jovens “tecnicamente” (por pura e simples determinação da lei) não tenha fim. Assim, eles são encaminhados para campos de colheita, onde serão fragmentados e então, “viverão” aos pedaços nas vidas de outras pessoas. Nenhum pedaço é desperdiçado e a prática é extremamente comum e aceita pela sociedade.
Connor Lassiter, um garoto de 16 anos que durante muito tempo vestiu a carapuça de garoto rebelde para mascarar a falta de um relacionamento mais afetuoso com os pais, acaba de descobrir que sua família decidiu selar o seu destino. Ele agora é um fragmentário.
Risa Ward, 15 anos, vivia sob a tutela do Estado, que para cortar gastos decide que ela será uma das adolescentes da cota destinada à fragmentação.
Lev Jedediah tem 13 anos, o caçula de dez irmãos de uma família extremamente religiosa e ligada às aparências. Desde que nasceu, foi criado para ser um dízimo, alguém a ser fragmentado por um “bem maior”.
Três adolescentes que provavelmente não teriam seus caminhos cruzados e que pelo acaso acabam juntos, fugindo pelo direito a ter uma vida. Serão caçados initerruptamente pelo sistema até que completem 18 anos e a jornada até lá será bem longa. É a partir do ponto de vista de cada um deles que a narrativa se desenvolve, mas ocasionalmente, há participações de outros personagens, o que nos fornece um panorama bastante amplo dessa sociedade.
A discussão a respeito do valor da vida permeia toda a história. Nesse mundo novo regido pela Lei da Vida, a vida é o bem mais barato. Crianças são fragmentadas para servirem de peças de reposição, bebês são abandonados nas portas das casas e a responsabilidade recai totalmente sobre quem os achou e nenhuma investigação é feita para descobrir quem os abandonou. O quão mais valiosa é a vida de alguém que foi salvo por causa de um órgão de um fragmentário? É justo matar pessoas, com a desculpa de que elas não irão morrer, mas sim viver em outros, para que esses outros possam viver?
“- Se não houvesse fragmentação, haveria menos cirurgiões e mais médicos. Se não houvesse fragmentação, eles voltariam a tentar curar as doenças em vez de só substituir órgãos ruins pelos de outras pessoas. ” (Página 159)
Em sua história, Shusterman faz questão de escancarar todas as instituições e grupos dessa sociedade. Os Juvis, a força policial responsável por garantir que a Lei da Vida seja cumprida, os grupos rebeldes que operam na clandestinidade tentando salvar o máximo de fragmentários, e até mesmo um campo de colheita em todos os seus sórdidos detalhes nos é apresentado. E alguns desses detalhes são horripilantes.
Fragmentados foi publicado originalmente em 2007. E, apesar de fazer parte de uma tetralogia (o segundo livro só foi publicado em 2012), a trama abordada no primeiro livro, tem começo, meio e fim e pode muito bem ser tratado como uma obra única. O que é muito bom em tempos nos quais séries nem sempre têm todos os seus livros traduzidos e publicados por aqui. Fragmentados por si só, garante uma obra única e bem finalizada, vale a pena conferir.
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