“As pessoas reagem às histórias. Elas as contam, as histórias se espalham e, conforme são contadas, mudam os contadores. E quem nunca tinha pensado em nada além de fugir dos leões e se aproximar com cautela dos rios para não virar comida de crocodilo agora começa a sonhar em morar em um local diferente. O mundo pode ser o mesmo, mas o cenário mudou. Entende? As pessoas ainda têm a mesma história, em que nascem, fazem coisas e morrem, mas agora a história tem um significado diferente do que tinha antes. ” (Página 237)
Se não me falha a memória este já deve ser o quinto livro do Gaiman que leio (ainda preciso começar a ler suas graphic novels) e não importa seu público alvo, quer seja um romance com aura de contos de fadas, uma aventura infanto-juvenil, ou um romance envolvendo anjos e demônios. Gaiman sempre acerta o tom e é expert em tornar seus leitores cativos. Com Os Filhos de Anansi não foi diferente, a começar pela dedicatória destinada a nós leitores e se embrenhando por uma história de muitas pernas, personagens e eventos aparentemente incongruentes. Gaiman se mostrou um bom tecedor de teias e um exímio contador de histórias.
Se você como eu pegou (ou pretende pegar) Os Filhos de Anansi para ler sem ter muitas informações sobre a obra, pode ficar encucado com o texto de orelha do Fábio Moon na edição da Intrínseca. Nele nós descobrimos que aqui, Gaiman irá retornar ao universo fantástico já explorado em Deuses Americanos e aí é impossível não bater a dúvida. Será que não é imprescindível ler Deuses Americanos antes? Será que se partir direto para a leitura deste livro, posso não compreender a história narrada em Os Filhos de Anansi? Sem ter Deuses Americanos na estante, a solução foi arriscar. E no fim, ainda que seja um universo revisitado, não ter travado conhecimento com ele anteriormente em nada prejudica esta leitura. A única sensação que ficou, foi o desejo de conhecer mais a fundo o resto desse universo criado por Gaiman. Mal posso esperar para ter Deuses Americanos nas mãos. Mas, voltando aos filhos de Anansi…
Charlie Nancy está satisfeito com sua vida estacionária e seu emprego entediante em Londres. E talvez, isto se deva em grande parte, ao fato de haver mais de mil quilômetros de oceano entre ele e seu pai. Aquele que desde que ele se entende por gente tem o poder de lhe constranger das mais diversas (e requintadas) formas. Só que agora, Charlie está para se casar, e Rosie, a noiva, quer que ele convide o pai para o casamento. Mas, quando Charlie está para dar o grande passo, ele recebe a notícia da morte do pai e viaja para a Flórida para a última despedida. Essa viagem, além de reaver sua “querida” alcunha Fat Charlie, também resgata velhas conhecidas de seu pai e dois segredos de família: seu pai foi um deus (Anansi) e Fat Charlie tem um irmão que herdou toda a divindade do pai não deixando nada para ele. Ah, e o irmão, pode ser convidado para uma visita por meio de uma aranha. Elas sempre dão o recado!
— Anansi, a aranha, é uma figura popular da mitologia do oeste africano. Uma criatura astuta, trapaceira e que frequentemente se dá bem sobre outros deuses e humanos, espalhando infortúnios (enquanto recolhe graças) por onde passa. Sua figura é particularmente bem conhecida nos Estados Unidos. —
Fat Charlie não imaginava que um convite feito em um momento de bebedeira, poderia tirar sua vida dos eixos. Spider aparece em sua porta e a partir de então, nada é mais o mesmo. Rosie se apaixona por Fat Charlie (que na verdade é Spider), Fat Charlie se encanta por outra garota, e uma atitude de Spider coloca Fat Charlie na mira de seu inescrupuloso empregador e da polícia. Agora, tudo o que ele quer é se livrar do irmão, mas é claro que nada sairá como o planejado e mais uma dose de loucura é adicionada.
Misturando mitologia, crime do colarinho branco, assassinato, acordos impensados, vingança e fantasmas, Gaiman criou um romance de ares psicodélicos, ritmo frenético (mesmo com tantas viagens intercontinentais) e com personagens que se não o cativam à primeira vista, acabam te conquistando mesmo sem você se dar conta. É fácil ser arregimentado para as desventuras de Fat Charlie. Afinal, o que ele sempre quis foi a normalidade, mas sua família nunca foi normal e depois da morte do pai e um encontro com uma aranha, a loucura se tornou ainda maior. Não é difícil entender seu anseio e torcer para que Spider pare de provocar rebuliços e parta novamente. Por outro lado, mesmo com toda sua obtusidade, não há como negar que Spider contribui para que algumas passagens da história sejam extremamente hilárias e ele até mesmo consegue nossa admiração em alguns momentos. Provando que um pouco de loucura na normalidade tão desejada por Fat Charlie talvez não seja uma péssima ideia.
O livro, publicado originalmente em 2005, já contava com uma edição brasileira publicada pela Conrad em 2006. Agora, chega com uma nova edição e tradução publicada pela Intrínseca. Nesta nova edição, os adendos originalmente incluídos na nova edição britânica foram mantidos: o acréscimo de uma cena cortada (estrelando Spider) e duas perguntas respondidas por Gaiman sobre sua experiência enquanto inglês em escrever sobre os Estados Unidos e sua “fábrica de ideias”. E como fã do autor, quanto mais Gaiman melhor!
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