A Irlanda é conhecida por seu rico folclore e pela grande importância que a sorte (ou a falta dela) tem na vida das pessoas. Em seu livro de estreia, Moïra Fowley-Doyle utiliza de forma interessante todo esse arcabouço criando um romance imagético e leva as últimas consequências a importância da sorte. Afinal, por que trabalhar alguns eventos esporádicos de má sorte se você pode tornar azarado um mês inteiro? Por que não retroceder e instituir uma temporada inteira de azar que se repete ao longo dos anos?
“É a temporada de acidentes: acontece todos os anos na mesma época. Um período em que ossos quebrados, cortes e hematomas são frequentes. (…)
Resumindo: apertamos os cintos, pois sabemos que o pior está por vir. Nunca saímos de casa sem pelo menos três camadas de roupa. Temos medo da temporada de acidentes. Temos medo da facilidade com que os acidentes se transformam em tragédias. Já passamos por muitas. ”
(Página 15)
Desde que Cara se entende por gente, e antes disso, sua família se torna vulnerável a todo tipo de acidentes durante o mês de outubro. Este ano a temporada de acidentes segue cobrando dividendos dos Morris, mas desta vez será diferente. O passado será remexido, cicatrizes (e não somente as físicas) serão relembradas, haverá o prenúncio de uma grande tragédia, mas também sobrará espaço para a amizade e o amor.
Grande parte da narrativa é feita sob o ponto de vista de Cara, uma garota de dezessete anos, mas também há espaço para Alice, a irmã mais velha e racional que não acredita na temporada de acidentes; Sam, o ex-irmão postiço deixado para trás pelo pai quando este se separou da mãe das garotas; e Bea, a melhor amiga de Cara, que respira o sobrenatural e que acha que as respostas para todos os questionamentos podem ser encontradas nas cartas de tarô.
Mas afinal, qual a principal diferença desta temporada de acidentes?
Tirando as concussões, arranhões, luxações e escoriações mil. A diferença desta vez é Elsie. Cara acabou de perceber que Elsie, uma garota da sua escola, que já foi sua amiga no passado, mas com a qual ela não mantém contato atualmente, aparece em todas as suas fotos. Todas! Fotos de aniversários, de viagens de família… de corpo inteiro, de costas, fora de enquadramento, apenas o cabelo, o braço, o cotovelo, a perna…. Desde que cara notou as estranhas aparições de Elsie e ficou determinada a tirar essa história a limpo que a onipresente garota sumiu. Cadê Elsie?
E, enquanto Cara, Bea e Sam (e até mesmo a relutante Alice) seguem na busca da garota, uma festa de Halloween é planejada para tentar apaziguar trágicas lembranças e a temporada de acidentes é colocada em xeque quando segredos são destrancados. Particularmente, eu gostei muito de Moïra ter trabalhado os dramas familiares por meio dos simbolismos e metáforas. São assuntos pesados e ela conseguiu colocá-los em foco de forma leve, mas sendo contundente quando necessário. São esses os elementos que fazem este livro Young-Adult enveredar por caminhos pouco usuais e garantem uma boa história sobre crenças, dramas familiares e amores. A trama tem seus problemas, Moïra às vezes se perdeu em tantas divagações sobrenaturais quando poderia ter dado mais enfoque aos questionamentos mais sérios da trama. Ela também garantiu uma liberdade demasiada aos adolescentes que acabou ficando pouco condizente com a imagem de mãe superprotetora e amedrontada pela temporada de acidentes que ela tenta nos vender desde as primeiras páginas. Contudo, no quadro geral ela nos entregou personagens cativantes, uma história repleta de simbolismos, colocou em foco temas espinhosos e garantiu alguns momentos de fofura. Uma ótima pedida para os fãs do gênero.
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