Sem Gentileza (Futhi Ntshingila)

“Foi naquele dia, quando a bolsa de auxílio-doença da mãe foi suspensa, que Mvelo parou de pensar mais do que um dia por vez. Aos quatorze anos, aquela menina que antes adorava cantar e dar risada parou de ver o mundo em cores. E passou a vê-los em tons cinzentos e opacos. Teria que pensar como adulta para manter sua mãe viva. Estava em meio à escuridão. ” (Página 9)

Ter começado o projeto de leitura “Volta ao Mundo em 198 Livros” ampliou consideravelmente meu horizonte de leituras. Não somente em direção aos clássicos, como também em direção aos autores contemporâneos. Foi estimulada pelo projeto que decidi escolher o livro da Futhi Ntshingila para ser o representante da África do Sul. Futhi é jornalista e mestra em Resolução de Conflitos. Ela tem dois livros publicados, ambos marcados pela característica de fornecerem voz às mulheres ignoradas historicamente. Uma literatura feminista em essência e sul-africana em suas raízes.

Sem Gentileza traz a história de Zola e Mvelo. Mãe e filha vivem nos guetos da África do Sul, em um período pós apartheid, mas ainda assim muito marcado por ele. Negras e pobres, tiram da resiliência a força para sobreviver em uma sociedade marcada pelo medo pungente da aids, e na qual os direitos das mulheres são cerceados pela conduta machista que impregna toda a sociedade. Uma sociedade na qual a prática de testes de virgindade é utilizada para combater o abuso infantil disseminado, mas que acaba por colocar um alvo de pureza nas testas das garotas que se tornam vítimas de estupros dos soropositivos que acreditam nos boatos de que ficariam curados se deitassem com uma virgem. A intenção pode até ser de proteção, mas acaba se tornando uma ameaça e uma ferramenta de humilhação e julgamento das mulheres testadoras com as garotas.

É nessa sociedade cerceadora que tomamos conhecimento de Zola e Mvelo, nos últimos momentos juntas de mãe e filha. Zola já nos estados finais de sua batalha contra a aids. Mvelo nos últimos momentos de sua infância prestes a ser usurpada. É a partir desse momento de dor que Futhi nos convida a voltar no tempo e ir mais a fundo na história de suas personagens. Zola na adolescência, seu primeiro amor, o nascimento de Mvelo, a paixão madura por Sipho, a inclusão de Nonceba na relação e toda a carga cultural que ela carrega consigo, todo sofrimento reservado à jovem Mvelo e o futuro e a esperança dos que perduraram.

Passando pela epidemia da aids e pelo apartheid com as primeiras rebeliões contra a segregação racial e o momento político pós-ruptura do regime, Futhi vai recheando sua história de vozes, em sua maioria femininas, e sempre tentando romper as barreiras que insistem em calá-las. Ela também não deixa de lado o clamor das vozes negras silenciadas pela segregação. É assim que Sem Gentileza vai se transformando em um romance polifônico. E, com tantas histórias paralelas, a narrativa até poderia ficar confusa, mas Futhi amarra bem os nós e delimita bem a trama que é uma mistura de romance político, crítica social e ode à resiliência.

Futhi Ntshingila vai direto ao ponto. Não há rebuscamento ou descrições em demasia em sua história. Ela é nua e crua, sem gentileza, como a vida de seus personagens. O resultado é um livro pequeno, mas com inúmeros desdobramentos e múltiplos significados.

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