Precisamos de Novos Nomes (NoViolet Bulawayo)

“Olhe para os Filhos da terra indo embora aos bandos, deixando sua terra com feridas que sangram em seus corpos e susto em seus rostos e sangue em seus corações e fome em seus estômagos e tristeza em seus passos. Deixando suas mães e pais e filhos para trás, deixando seus cordões umbilicais debaixo do solo, deixando os ossos de seus antepassados na terra, deixando tudo o que os torna quem e o que eles são, indo embora, pois não é mais possível ficar. Eles nunca mais serão os mesmos, porque você simplesmente não tem como ser o mesmo depois que deixa para trás quem ou o que você é, você simplesmente não tem como ser o mesmo. ” (Páginas 131 e 132)

NoViolet Bulawayo é uma filha da terra que também foi embora. Nascida e crescida no Zimbábue, ela se mudou aos 18 anos para os Estados Unidos onde concluiu seus estudos e mora até hoje. Apenas depois da publicação de Precisamos de Novos Nomes em 2013, ela retornou ao seu país natal para uma visita, praticamente como uma estrangeira em seu próprio país (vocês podem ler o relato da sua experiência aqui, em inglês).

Precisamos de Novos Nomes é um romance de formação com alma de biografia. É impossível não perceber os ecos dos sentimentos e das experiências de Bulawayo. A diferença é que Bulawayo era mais velha quando deixou o Zimbábue. Darling (sua protagonista) teve suas raízes arrancadas mais cedo.

É no Paraíso, um bairro pobre da periferia do Zimbábue, que encontramos Darling, Bastard, Chipo, Godknows, Sbho e Stina. Ali, o prazer do grupo de amigos é ir até Budapeste, o bairro dos ricos, roubar goiabas, enquanto discutem futuros improváveis. É Darling, com sua ótica infantil, quem nos narra o cotidiano no Paraíso: o lar perdido, o recomeço aos trancos e barrancos no lugar para onde foram enxotados, as vãs esperanças das mudanças prometidas durante a corrida eleitoral, as apostas de todas as esperanças na religião, a viagem derradeira em busca de um futuro. É com naturalidade e inocência que ela nos conta que Chipo está grávida. Chipo que só tem onze anos e que foi estuprada por aquele que deveria protegê-la. Que ela nos narra as visitas da ONG: os presentes, as fotos inoportunas, a distância dos voluntários que as crianças pressentem que devem manter. O pão e circo transvestido de caridade, mas um pão e circo necessário para quem é tão carente de atenção, de tudo. A percepção de que são menos que nada perante essas pessoas. É interessante (e desalentador) como é nas brincadeiras que as mazelas sociais que as crianças estão sujeitas transparecem: o jogo dos países que enaltece os “grandes” e os relega ainda mais a condição de subalternos; a brincadeira inspirada no programa “Plantão Médico” que escancara a percepção das garotas sobre a prática comum de abortos clandestinos…

É uma trama triste, as mazelas sociais permeiam as páginas e não poderia ser diferente. No período retratado o Zimbábue estava sob um regime autoritário, com grande declínio econômico e no qual eram prática comum as violações dos direitos humanos. Apesar disso, muito da cultura do país também transparece nas páginas: as inúmeras palavras inseridas ao longo da narrativa representando toda a riqueza linguística do país (atualmente o Zimbábue tem 16 línguas oficiais), a comida, a dança e a música, tão importantes como pontes entre os filhos ausentes e sua pátria mãe. É toda essa riqueza cultural e esse respeito e o cultivo dela pelos zimbabuanos, mesmo perante todas as dificuldades, que nos permite conhecer um pouco mais do Zimbábue e ter vontade de conhecê-lo in loco um dia.

É toda essa riqueza e identidade cultural, apesar da pobreza tão companheira dos moradores do Paraíso, que é extirpada de Darling quando ela se muda para os Estados Unidos para morar com a tia. Aqui, Precisamos de Novos Nomes se torna uma história de migração, sobre a viagem forçada e derradeira a uma terra estranha que pouco se assemelha a sua e na qual muitas vezes (na maioria delas) você não será bem-vindo. É nessa parte que Bulawayo trabalha a questão da identidade cultural; do bullying escolar que muitas dessas crianças imigrantes estão sujeitas; da situação muitas vezes irregular em que se encontram que lhes podam oportunidades nesse novo país e não lhes permite visitar os familiares deixados para trás na terra natal. Apesar de ser Darling a principal narradora dessa história, alguns capítulos-chave, que marcam as mudanças na vida da garota, são narrados na primeira pessoa do plural. O capítulo “Como eles viviam” é de travar a garganta. É o resumo nu e cru, mas ainda assim poético, da vida a que estão destinados os que ousaram cortar suas raízes e ir viver em uma terra que nunca será deles. Precisamos de novos nomes é acima de tudo, o reencontro de Bulawayo com suas origens.

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