“Embarquei neste livro porque Leonardo da Vinci é o exemplo definitivo do tema central de minhas biografias anteriores: como a habilidade de conectar disciplinas – artes e ciências, humanidades e tecnologia – é a chave para a inovação, imaginação e genialidade. (…)
Sim, ele era um gênio: apaixonadamente curioso e muitíssimo criativo em múltiplos campos do conhecimento. Mas devemos ter cuidado com essa palavra. Ao darmos a Leonardo o rótulo de gênio, estranhamente o minimizamos, dando a entender que foi tocado por uma iluminação divina. (…) Na verdade, o gênio dentro de Leonardo era humano; tinha sido forjado por vontade e ambição próprias.” (Página 21)
Esse trecho mostra bem o tom que Walter Isaacson tentou imprimir em sua reconstrução biográfica do Leonardo da Vinci. Ele não enaltece o polímata renascentista por enaltecer e não passa por cima de seus defeitos e erros, muito pelo contrário, ele nos fornece um retrato do Leonardo humano, com tendência à procrastinação, perfeccionista ao extremo, que sempre sonhou com a aceitação irrestrita de seus patronos, com uma curiosidade quase que infantil (no sentido de não se restringir em fazer perguntas “bobas”) e uma imaginação e criatividade que o fizeram atingir patamares que lhe renderam a alcunha de gênio. Isaacson fez um retrato bastante fiel do que Leonardo da Vinci foi e do que poderia ter sido (e os avanços no conhecimento que isso teria propiciado) e nos mostra como conhecer a trajetória de personalidades que marcaram a história da humanidade pode ser um verdadeiro aprendizado. Não sei se essa é (ou será) a biografia definitiva do Leonardo da Vinci, só sei que o trabalho feito por Isaacson é formidável, seu texto é de uma clareza ímpar e sua admiração por Leonardo transparece em todas as páginas.
Apesar de ser mais conhecido pela Mona Lisa, A Última Ceia, o Homem Vitruviano e seus protótipos de máquinas voadoras, como bom polímata que foi, Leonardo se enveredou pelos campos mais diversos das artes e das ciências. Para falar sobre cada um desses campos explorados e enfocar os principais trabalhos e projetos de Leonardo em cada área, Isaacson foi atrás dos cadernos que Leonardo mantinha (aqueles que não foram extraviados, a estimativa é de que três quartos das anotações de Leonardo foram perdidas!), consultou especialistas na vida e na obra do florentino e esmiuçou teses de doutorado e artigos acadêmicos. Toda essa jornada, da pintura à arquitetura e o saneamento básico, transformou esse livro em algo além de uma biografia, uma ode à curiosidade. É um livro para curiosos, sobre aquele que elevou a curiosidade à novos patamares. Que se debruçou sobre cadáveres para estudar as minúcias anatômicas que tornaram seus desenhos e pinturas ainda mais fidedignos; que dedicou horas a observar como os diferentes pássaros voam e que anotou para si um lembrete para estudar e observar como é a língua do pica-pau.
“(…) a curiosidade e o experimentalismo incessantes de Leonardo deveriam nos lembrar da importância de incutir, tanto em nós mesmos quanto em nossos filhos, a ideia de não apenas assimilar o conhecimento, mas se mostrar sempre disposto a questioná-lo – ser criativo e, como muitos desajustados talentosos e rebeldes de todas as épocas, pensar diferente.“ (Página 28)
Nessa miscelânea entre arte e ciência, Isaacson vai abarcando todas as áreas nas quais Leonardo se aventurou. Sua paixão pelo teatro e seu envolvimento com as produções, do cenário aos figurinos; sua imaginação para idealizar novos instrumentos musicais; seus trabalhos como escultor; o desenvolvimento de suas técnicas de pintura, várias das quais ele inventou; os estudos sobre óptica, sombra e perspectiva; os trabalhos colaborativos (da Vinci era adepto de discutir teorias, arte e ciência e de passar muito de seu conhecimento por meio de tutorias), algo que ele aprendeu enquanto aprendiz e que levou consigo durante toda a sua vida. Na ciência, Leonardo prenunciou o método científico e promoveu a sistematização da experimentação. Ele fez observações sobre os voos dos pássaros; estudos metódicos do movimento e do atrito; foi pioneiro nas ilustrações anatômicas detalhistas, e incursionou no campo da anatomia comparada, sendo pioneiro em explicar o funcionamento das válvulas cardíacas; colocou muito de seus conhecimentos botânicos e geológicos em suas pinturas; se aventurou na engenharia hidráulica, com propostas de obras faraônicas; se preocupou em entender o ciclo da água, o aparecimento dos fósseis e até mesmo se aventurou pela astronomia. Até na guerra, Leonardo se envolveu ao idealizar bestas gigantes e inventar o sistema de rodete das armas de fogo. Com assuntos tão diversos sendo tratados, é possível que nos capítulos com os quais o leitor tenha menos afinidade, a leitura se arraste um pouco porque Isaacson não se privou de mergulhar a fundo nas descobertas de Leonardo. E está aqui a riqueza desse livro.
Permeado em tudo isso, estão detalhes da sua infância como filho ilegítimo, o autodidatismo, o aprendizado inicial no ateliê de Verrocchio, seus relacionamentos amorosos, suas relações com seus patronos déspotas, as disputas com Michelangelo, a reunião feliz com seu patrono mais querido já no fim de sua vida. Apesar de todo o material levantado, há várias inconsistências em várias facetas de sua vida, mas longe de escondê-las, Isaacson as coloca em evidência. Ele assume a névoa de mistério que paira sobre a vida de Leonardo.
“Não se pode retratá-lo em linhas claras e bem definidas, nem se deve pensar nisso, assim como ele jamais retrataria a Mona Lisa dessa maneira. Há um lado positivo em deixar algo para a nossa imaginação. Como ele bem sabia, os contornos da realidade são inerentemente borrados e deixam traços de incerteza que devemos aceitar.“ (Página 547)
Tudo isso com listas de personagens, uma ótima seção de notas e uma linha temporal bastante completa e ilustrada que dão uma boa pincelada nos fatos históricos e servem como futuras referências caso o leitor fique perdido em meio a tantos fatos e nomes. As ilustrações são um show a parte: fac-símiles, esquemas e reproduções de suas pinturas, tornam esse livro ainda mais belo. Você com certeza ficará muito tempo admirando algumas delas.
Essa foi a minha primeira experiência com uma biografia escrita pelo Isaacson. Uma ótima experiência (o fato de ser sobre o Leonardo da Vinci ajudou é claro) que me deixou com muita vontade de ler outros livros escritos por ele.
Leia uma amostra aqui:
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