“O que ele quis dizer é que um ecossistema – sob certas condições especificáveis – perde diversidade do mesmo modo que uma massa de urânio verte elétrons. Como um gotejamento incessante, extinções ocorrem, constantemente, sem nenhuma causa evidente. Espécies desaparecem. Categorias inteiras de plantas e animais deixam de existir. Quais são as condições especificáveis? Pretendo descrevê-las ao longo deste livro, e também investir contra a ilusão de que os ecossistemas decaem sem causa. ” (Página 12)
Lembro que fiquei com vontade de ler o livro do David Quammen assim que a Companhia das Letras anunciou sua publicação no Brasil (isso lá em 2008), simplesmente por causa do título (tá, também por ser um livro de divulgação científica da área da biologia). Mas ei, qualquer biólogo com um interesse maior em evolução tem um certo fascínio por espécies emblemáticas da história da Terra. As tartarugas e os tentilhões de Darwin, a rã-dourada-do-panamá, os araus-gigantes, o tilacino ou o dodô. Uma agigantada espécie de ave da família dos pombos que vivia em Maurício, aliás endêmica da ilha. Uma espécie que prosperou por um longo tempo, até que a caça perpetrada por nossa espécie a dizimou em menos de um século.
“O dodô tornou-se um tipo de ave lendária da extinção. É uma ave muito importante. Houve extinções antes e houve muitas extinções desde então, mas a extinção do dodô foi particularmente importante porque foi a primeira vez, a primeira vez em toda a história da humanidade, que o homem se deu conta de que ele havia provocado o desaparecimento de uma espécie. ” (Carl Jones em O Canto do Dodô, página 303)
São pesquisas relacionadas com o dodô e outras espécies que como ela já não existem mais; ou batalhas – muitas das quais já consideradas perdidas – para salvar espécies ameaçadas, que Quammen explora em seu livro. Perdas históricas, resultados de pesquisas de longa duração e uma curiosidade latente que colocou em foco as ilhas. Locais historicamente explorados por naturalistas; fontes de inspiração para os trabalhos de Alfred Russell Wallace e Charles Darwin; exemplos, muitas vezes desalentadores, do ritmo célere das extinções; recipientes de informações que influenciaram a teoria da evolução e mais recentemente para a teoria da biogeografia de ilhas. Esta última, formalizada em 1967, revolucionou o campo da ecologia e os esforços para a conservação da diversidade biológica do mundo, e, assim como toda teoria científica, também não ficou imune a críticas. É assim que essencialmente, O Canto do Dodô se delineia como um livro historiográfico. E como tal, está repleto de referências e notas, umas mais difíceis de perseguir e outras mais fáceis, até mesmo bem acessíveis com textos em português. Quammen nos entrega assim um retrato histórico, bem esmiuçado e com detalhes que vão da teoria aos trabalhos de campo e bastidores do desenvolvimento científico.
Quammen estruturou o livro em grandes seções contendo pequenos subcapítulos, espécies de minicrônicas nas quais ele explora o passo-a-passo da Biogeografia de Ilhas, a começar por Wallace, um dos primeiros a se preocupar em saber mais sobre o “local de ocorrência” das espécies e, por isso mesmo, considerado o pai da Biogeografia; e culminando na teoria integradora proposta por MacArthur e Wilson em 1967 e todo o desenrolar do conhecimento ecológico e evolutivo que ocorreu desde então. A forma como Quammen vai conectando os subcapítulos, nos fazendo pular de ilha em ilha ao redor do mundo e esbarrar nas mais variadas espécies é fascinante. Os capítulos nos quais além de enfocar a teoria em si, ele também enfoca o lado humano do desenvolvimento de uma teoria científica, são de uma fluidez fascinante, que acabou compensando os capítulos mais arrastados.
Apesar de ter sido publicado em 2008 no Brasil, a obra de Quammen é mais antiga. Foi publicada originalmente em 1996. Em se tratando de desenvolvimento científico, a defasagem é enorme. Mas, ainda assim, é um livro que traz muitas informações interessantes e como disse antes, ele pode e deve ser entendido como um registro histórico do desenvolvimento da biogeografia de ilhas. Papel que ele cumpre com louvor.
Desbravar as palavras de O Canto do Dodô não foi uma tarefa fácil, na verdade foi bastante demorada. Mas não, não é que o texto de Quammen seja ruim, é que o texto é tão carregado de informações e há tantos fatos, teorias e registros históricos para serem compreendidos e digeridos que a leitura realmente deve ser assim, lenta e pausada. Assim se aproveita melhor cada viagem, cada experiência de campo, cada entrevista com cientistas e cada desbravamento de terras inóspitas e até mesmo pouco conhecidas. É aquele tipo de livro para se ler com acesso à internet, não porque é complicado, longe disso, mas porque poder visualizar o que um tenrec (só ocorre em Madagascar) ou poder ver fotografias dos lugares por onde Wallace, Wilson, Pat Wright e outros tantos naturalistas e cientistas andaram, torna a leitura ainda mais enriquecedora.
PS: Imagino que um livro do tamanho de O Canto do Dodô exija um trabalho considerável para ser revisado, mas poxa, os erros que deixaram passar foram inúmeros. Além disso, a opção do tradutor por palavras rebuscadas, longe de engrandecerem o texto, o deixaram mais árido.
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