As Últimas Testemunhas, publicado originalmente em 1985, é o segundo livro de Svetlana. Nele ela resgata as memórias de quem era criança durante a devastação da Bielorússia na Segunda Guerra Mundial. Assim como em seus outros livros, neste ela segue experimentando esse gênero literário que muitos ainda relutam em chamar de literatura, o romance-testemunho. A compilação de um coro de vozes, palavras e memórias que podem não pertencer a Svetlana, mas que são ouvidas, sentidas e trabalhadas com empatia e sensibilidade palpáveis. São narrativas arrebatadoras, repositórios de períodos históricos que não podemos nos permitir esquecer.
“Talvez ela tivesse oito anos, talvez dez. Como ia adivinhar pelos ossinhos? Não eram pessoas que andavam ali, mas esqueletos…. Logo ela ficou doente, não conseguia levantar e ir para o trabalho. Eu pedia para ela… No primeiro dia inclusive eu a puxei até a porta, ela se segurou na porta mas não conseguia andar. Passou dois dias deitada, e no terceiro vieram pegá-la e levaram na maca. Só havia uma saída do campo: pela chaminé…. Direto para o céu… ” (Página 146)
As Últimas Testemunhas foi publicado no mesmo ano que A guerra não tem rosto de mulher, do qual podemos dizer ser uma espécie de irmão menor. Em vários dos depoimentos contidos neste aqui, é possível captar referências à mães, tias e irmãs que durante a guerra estiveram diretamente envolvidas no front de batalha, mas aqui, o foco está na percepção infantil do que foram aqueles anos durante a Segunda Guerra. Os depoimentos foram colhidos anos depois, dos agora já adultos (muitos já se foram). O que pode até lançar dúvidas sobre a veracidade do que é descrito aqui. Mas, se os detalhes são nebulosos, a brutalidade da guerra, as perdas sentidas ainda na tenra infância e as ações de adultos que muitas tiveram de tomar perdendo a infância no processo, foram reais. Aqui não é fidedignidade que importa, mas sim os ecos dos impactos que uma guerra pode provocar. O livro cumpre o importante papel de nos lembrar de um período sombrio para que quaisquer outros no futuro possam ser evitados.
Meu único porém reside no trabalho de estruturação da narrativa ainda bastante incipiente. Svetlana ainda não atingiu o refinamento que alcançou em Vozes de Tchernóbil, onde cada depoimento concatena-se ao próximo e ao anterior, construindo uma narrativa temporalmente congruente e bastante fluida. Aqui essa característica ainda é meio capenga, a impressão que fica é de desconexão entre os relatos, o que deixa a leitura um pouco truncada. Mas, tirando isso, é um livro pelo qual não se passa incólume. Não há como não se emocionar com a brutalidade da guerra explicitada sob a ótica infantil. A infância tomada à força. Crianças suplicando para serem enviadas ao front de batalha. O intolerável se tornando real. Trava ainda mais a garganta, as ações de ternura e amor que perduraram mesmo em meio à tantas perdas e agruras. O texto é uma sinfonia de ecos dolorosos, de choros explosivos, de perdas irreparáveis e reconstruções cambaleantes. E por isso, recomendo uma leitura em doses mínimas diárias. A superexposição pode ter o efeito contrário e te deixar indiferente, se permita se sentir devastado. É um exercício de empatia mais do que necessário.
PS: Li na edição exclusiva da TAG Curadoria, mas o livro acabou de ser publicado pela Companhia das Letras.
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