Escolhi ler Vasto mar de sargaços simplesmente porque a Jean Rhys nasceu na Dominica e eu precisava ter um representante do país no Projeto Volta ao Mundo em 198 Livros, mas ao começar a leitura, descobri que a obra de Rhys (publicada originalmente em 1966) conversa muito com a obra Jane Eyre da Charlotte Brontë. Para ser mais específica, Rhys tomou “emprestada” uma das personagens do livro para narrar sua devida história com a cenas crioulas devidamente corrigidas. Foi assim que Vasto mar de sargaços tomou forma.
O livro se passa na Jamaica e outras pequenas ilhas do Caribe nas décadas de 1830-1840 e traz a história de Antoinette Cosway. Desde a infância até o seu fim derradeiro que o destino lhe reservou. A infância na fazenda fora regada a brincadeiras em meio à natureza, costumes e lendas crioulas, mas o idílio não durou muito. Annette, a mãe de Antoinette, filha de dono de escravos e viúva de dono de escravos acabou tendo de lidar com o ódio reprimido daqueles que durante muito tempo foram explorados pelos colonos. Acabou expulsa da fazenda junto com os filhos e o novo marido. O episódio acarretou em perdas que “quebraram” Annette para sempre e que deixaram Antoinette sem a principal figura feminina de sua vida. Essa primeira parte é toda dedicada e narrada por ela. Desde a sua infância até o seu casamento.
Na segunda parte, temos o ponto de vista do marido de Antoinette, um legítimo inglês. As núpcias contraídas por mero interesse financeiro, o arrependimento de tal decisão e a estranheza ao “estrangeirismo” latente na esposa. Além disso, o ódio dos habitantes locais ao Sr. Cosway estendeu-se aos outros membros da família e perdurou ao longo dos anos. Um ódio que agora é direcionado à Antoinette e que coloca uma carga impossível de lidar em seu casamento, carga que acabará por definir o seu futuro. Na terceira e última parte, fecha-se o ciclo. Abandona-se o lar ou retoma-se (dependendo do ponto de vista) e no processo se perde um bom pedaço de sua identidade. É aqui que a história de Rhys encontra a história de Brontë.
“- Era uma canção sobre uma barata branca. Sou eu. É assim que eles chamam a todos nós que estávamos aqui antes do povo deles vendê-los para os mercadores de escravos. E eu ouvi mulheres inglesas nos chamarem de negros brancos. Então muitas vezes me perguntei quem eu sou e onde é o meu país e a que lugar eu pertenço e por que eu nasci. ” (Página 99)
Tudo isso em um livro curtinho, com uma narrativa concisa, mas que traz com uma riqueza de detalhes a vida em uma colônia pós-escravidão onde os velhos costumes plantaram profundas raízes de ódio. Do ódio do negro às baratas brancas à altivez dos ingleses frente aos negros brancos, Rhys evidencia o choque entre esses dois mundos (país colonizador – colônia). Uma divisão que acompanhou Antoinette desde a infância. Uma vida enredada nesse “mundo antigo” que não é mais do colono e o “novo mundo” que lhe é negado pelos que sempre se acharam melhores.
A releitura de Rhys me deixou com mais vontade de ler Jane Eyre, ainda que esteja destinada a começar a leitura já odiando certo personagem.
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