O Coração é um Caçador Solitário (Carson McCullers)

Em dezembro do ano passado, a TAG Curadoria trouxe mais um romance escrito por uma jovem autora. Assim como Carmen Laforet em Nada, Carson McCullers publicou O coração é um caçador solitário na década de 1940 quando só tinha 23 anos. O romance foi publicado em 1944 e está ambientado no final dos anos 1930, após a Grande Depressão e anterior à Segunda Guerra Mundial, que já dava seus primeiros sinais.

Carson McCullers traz uma história representativa do gênero southern gothic que foi responsável por romper as amarras da literatura elitista norte-americana e trazer os relegados à marginalidade para o centro das tramas. São essas as vozes que ela traz para seu romance polifônico. Cinco personagens solitários. Em busca de companhia, atenção, liberdade e representação. Singer, um surdo mudo que sempre carregou uma sensação de não pertencimento, que por ter aprendido falar não se sentia inteiramente pertencente ao grupo dos surdos mudos por ter ido além, nem ao dos falantes e ouvintes por se considerar aquém, que por um momento encontrou essa sensação de liberdade junto ao amigo Antonapoulos e logo se viu privado disso, vivendo na eterna saudade da liberdade de usar suas mãos para se comunicar, de não ficar preso aos parcos diálogos usando o papel. Mick, uma garota de 12 anos sempre às voltas com os irmãos menores, que anseia por conseguir um pouco de espaço e pequenos momentos de solidão em meio a balbúrdia da hospedaria da família para se dedicar aos seus projetos pessoais. Que sonha com o futuro, almejando mudanças que lhe permitam viver a música e viver de música. Jake, um bêbado revolucionário, que decidiu permanecer nessa pequena cidade e inspirar revoluções, ainda que não encontre um solo fértil para isso. Copeland, um médico negro, de certa forma também revolucionário, que sonha com futuros melhores para os negros. Que a sua maneira tenta garantir um mínimo de dignidade aos doentes e oprimidos, mas que na maioria das vezes não consegue se fazer entender em suas ambições. E, Biff, dono do New York Café, restaurante que todos os personagens frequentam. E, talvez, por ter a oportunidade de observar a todos, é Biff que se entrega a uma espécie de voyeurismo. Ávido por desvendar os segredos alheios enquanto esconde os seus à sete chaves.

Aliás, a música não permeia só a vida de Mick, Carson utilizou-se de preceitos musicais, de forma consciente ou não, para compor sua trama. Conforme explicitado por C. Michael Smith (em Modern fictions studies 2, de 1979) a trama de Carson refletiria uma fuga. Uma obra polifônica que começa com um tema principal no qual aos poucos vão se entrelaçando novos temas.

“Mas a última parte da sinfonia talvez tenha sido a música que ela mais adorou – era alegre e era como se as pessoas mais fantásticas do mundo estivessem correndo e pulando de um jeito livre e vigoroso. Músicas maravilhosas como aquela era as coisas mais dolorosas que existiam. O mundo inteiro era aquela sinfonia, e Mick era pouca para ouvir aquilo tudo. ” (Página 132)

De início, pensei que esse tema principal pudesse ser Biff e que caberia ao dono do New York Café servir de denominador comum para todos os personagens. Mas, não demora a ficar claro que a incumbência desse papel pertença à Singer. É a um Singer solitário que essas outras quatro almas solitárias começam a partilhar sua solidão. Ao mesmo tempo que cada um segue levando sua vida no cotidiano. Cinco histórias que orbitam entre si enquanto temas como a falta de perspectivas, a política, a luta de classes, o racismo e principalmente a solidão, são trabalhados em uma narrativa simples, mas com diálogos impactantes em suas sutilezas. Daqueles livros para se ler aos poucos, para se entremear na pele do outro, sentir empatia e divagar.

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