Boca do Inferno (Ana Miranda)

 

Descobrir Ana Miranda foi um daqueles presentes que os desafios literários podem nos proporcionar. Quando tive que escolher um livro escrito por um xará de nome ou sobrenome para o Desafio Livrada de 2019, fiquei em dúvida entre Boca do Inferno e Dias e Dias, mas acabei optando pelo primeiro, seu romance de estreia que recebeu o Prêmio Jabuti de revelação em 1990. Com um livro recheado de figuras históricas (o governador Antônio de Souza de Menezes, Padre Antonio Vieira e o poeta Gregório de Matos só para citar alguns) e uma trama que inicialmente desenha-se bem complexa, a leitura no início é um pouco arrastada e demora a engrenar, mas a perseguição intensa, o jogo de gato e rato e a intromissão nos meandros dos conchavos políticos no estado da Bahia no século XVII, torna a trama de Miranda difícil de largar.

Tudo começa com o assassinato de Francisco de Teles de Menezes, o alcaide-mor da cidade da Bahia, em uma emboscada conspirada por pessoas descontentes com seus mandos e desmandos. Antonio de Brito, seu desafeto, participou dela. Bernardo Ravasco, irmão do Padre Antonio Vieira, também acaba envolvido. E, Gregório de Matos, ainda que mais observador do que conspirador, por não se abster de tecer comentários ácidos sobre o governador e outras figuras importantes, também se torna alvo na caçada com ares de vingança empreendida por Antonio de Souza de Menezes, o Braço de Prata. O braço da vingança cai pesado e sem misericórdia sobre os conspiradores, mas estes, também não ficam atrás em suas tramoias para se livrarem das acusações e de quebra colocar o Braço de Prata em maus lençóis perante a Coroa. Ninguém é apenas mocinho ou vilão nessa história, ainda que alguns possam ser mais sádicos, todos transitam nessa área cinzenta entre o bem e o mal.

A trama criada por Ana Miranda é ficcional, mas por meio dela ela retraça um panorama histórico da Bahia nos tempos coloniais: a disputa pelo poder; os meios corruptos utilizados para a manutenção do poder; a troca de favores; os interesses escusos da Igreja; a justiça e o quanto ela pode ser falha.

“Os jesuítas não se afastavam do convívio social, não viviam na solidão do claustro, não realizavam procissões ou litanias nem se submetiam a mortificações. Haviam transformado a Igreja medieval em uma outra Igreja e não sentiam, como Tomás de Kempis, uma diminuição de sua pureza ao tocar os pés fora do convento. (…). Monachatus non est pietas, acreditavam. Sim, o que fazia o monge não era a piedade. E estavam ali no Brasil defendendo a liberdade dos indígenas para os terem eles mesmos, como cativos – de suas ideias. Como se podia explicar que sendo contra a escravidão calavam-se diante do que ocorria como os negros africanos? Simples! O braço do negro era imprescindível ao enriquecimento da colônia. ” (Páginas 79 e 80)

A narrativa é um pouco árida a princípio, o estranhamento ao vocábulo entrava a leitura, mas após acostumar-se aos trejeitos, o texto se torna mais amigável, a leitura, mais fluída. Ana fez um trabalho primoroso de pesquisa histórica, o que torna Boca do Inferno um bom adendo para se conhecer um pouco mais sobre a história do estado da primeira capital do Brasil e se aprofundar na figura quase mítica do poeta famoso por suas sátiras sobre a sociedade baiana. E esse é o seu primeiro romance! Definitivamente quero ler todas as outras obras dela.

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Arquivado em Desafios Literários, Lendo aleatoriamente, Resenhas da Núbia

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