Consumir cultura coreana já tem sido uma constante na minha vida há algum tempo. Principalmente músicas, doramas e filmes. Logo que descobri os doramas (alguns dos quais são baseados em livros) e passei a querer conhecer a sociedade coreana mais a fundo, foi natural querer me aventurar pela literatura também. Mas, durante algum tempo foi difícil conseguir títulos traduzidos por aqui. Então, é realmente uma coisa muito boa que mais e mais obras do leste asiático tenham aportado por aqui. É por causa desse boom no mercado editorial que obras como O Bom Filho têm sido publicadas aqui, trazendo tramas interessantes e a oportunidade de imergir em outras culturas.
O Bom Filho é um thriller que traz como protagonista Yu Jin, um rapaz que toma remédios para um transtorno mental, ou melhor, tomava, pois deixou de fazer para “experimentar a realidade”. Um dia, após um ataque epiléptico que o deixou sem lembranças, ele acorda em casa e se depara com sangue, muito sangue, e o corpo de sua mãe. Ele todo ensanguentado. Ela, degolada. Yu Jin entra então num vórtice de pensamentos tentando explicar a situação e se eximir de uma provável culpa.
“Talvez eu conseguisse resolver a coisa toda. Ou poderia deixar minha história mais convincente, com alguns retoques. Eu tinha um talento nato para criar verossimilhança, embora minha mãe costumasse dar um nome diferente àquela perícia: “mentir”. ” (Página 33)
O livro está dividido em quatro grandes seções. A cada avanço segredos nos são revelados, mas outras dúvidas vão surgindo. É assim que You-jeong nos prende em sua trama, em uma leitura vertiginosa, um tanto difícil de largar.
Na primeira parte, Um Chamado na Escuridão, somos apresentados à Yu Jin e conhecemos Gun-do, uma localidade nova, terminando de ser construída e em processo de ocupação. Um ambiente um tanto quanto estéril, perfeito para uma trama cirúrgica: o assassinato de uma mãe por seu filho. Logo fica claro que o objetivo de You-jeong não é trabalhar com a dúvida sobre a inocência de Yu Jin. Ele realmente matou a mãe. Se foi um acidente, por defesa ou algum outro motivo mais escuso é o que You-jeong nos convida a desvendar. Quando comecei a leitura, achei que a autora encaminharia a obra pela dúvida sobre a inocência do protagonista, então foi com choque e um bocado de receio que tive minhas expectativas soterradas logo na primeira parte. Sobraria mistério suficiente para o resto da narrativo? You-jeong mostrou de forma consistente que sim. Ela soube manter o suspense, sem entregar em demasia, mas sem esconder demais, até o fim. Seja na segunda parte, Quem Sou Eu?, quando mergulhamos no passado familiar de Yu Jin; ou em Predador, a terceira parte, na qual o tratamento que Yu Jin é submetido desde a adolescência é colocado sob escrutínio. Culminando na última parte, A Origem das Espécies, quando todas as peças são reunidas e a conclusão para a história surpreende.
You-jeong Jeong se mostrou exímia em criar um thriller que fisga o leitor desde a primeira página. Não sei se a compararia à Stephen King como muitos tentam fazer. Ela não trabalha o horror, não no sentido sobrenatural. You-jeong especializou-se em retratar o lado sombrio da mente e as surpresas que a caixa-preta da memória pode reservar. Nesse ponto, sua obra é mais palpável que a de King, é mais próxima da realidade, e por isso mesmo mais assustadora.
You-jeong é considerada um expoente da literatura de suspense na Coreia do Sul. Ela tem quatro livros publicados, alguns já adaptados para o cinema.
Este foi o livro que escolhi para representar a Coreia do Sul no Projeto Volta ao Mundo em 198 Livros.
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