Apesar de muito já ter ouvido falar de Simone de Beauvoir e sua contribuição para a teoria feminista além do seu ativismo político, ainda não havia lido nenhum escrito dela. Decidi começar pelo curtíssimo Mal-entendido em Moscou, uma novela na qual Beauvoir mescla fatos biográficos e fictícios em um belo exemplo de romance de autoficção.
A história, escrita nos fins da década de 60 e publicada em 1992, traz como protagonistas Nicole e André, casados, na casa dos sessenta, em uma vista à União Soviética. O casal, que mora em Paris, viajou até a URSS para visitar Macha, filha do primeiro casamento de André, que acompanha ambos em uma route tour pelo país. Mas, mais do que um diário de viagem, Beauvoir traz os dissabores e o desassossego que permeiam a vida do casal. A narrativa alterna-se entre Nicole e André. Altercações curtas em que muito nos é mostrado em pensamentos e poucos são os apontamentos que são verbalizados entre os personagens. Beauvoir nos torna assim observadores oniscientes enquanto seus personagens permanecem ilhados em suas interpretações e reminiscências.
Com André, que foi criado no culto a Lênin por uma mãe ainda militante do Partido Comunista, Beauvoir traz a política; o desapontamento com os regimes: o capitalismo no qual ele vive e o socialismo que ele ocasionalmente visita; as frustrações de André com sua carreira e os anseios pela compensação da velhice que não veio. Com Nicole ela envereda por discussões envolvendo a sexualidade feminina e seu confrontamento com a idade; os anseios feministas frustrados e a percepção da inveja de não ter crescido num país em que as mulheres não têm complexo de inferioridade e se entregam à atividades consideradas por muitos como tipicamente masculinas.
“Manter a vitalidade, a alegria e a presença de espírito é continuar jovem. Logo, são próprios da velhice a rotina, a melancolia, a caduquice. Dizem: a velhice não existe, não é nada; quando a encontram, fantasiam-na em palavras mentirosas. ” (Página 32)
Questionamentos que levam o casal a perceber além da crise política, a conjugal. Pequenos mal-entendidos que precisam sair do plano das ideias e colocados em discussão, antes que os desencontros se tornem uma separação permanente.
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