Êxtase da Transformação (Stefan Zweig)

Uma das coisas boas de ser assinante da TAG Curadoria é poder descobrir autores que de outra forma talvez eu nunca viesse a ler. Foi assim com Stefan Zweig e seu contundente Êxtase da Transformação. O romance, revelado como texto inédito após a morte de Zweig, foi escrito de forma fragmentária com um tempo espaçado que acabou refletido de forma perceptível entre as duas partes que compõem a trama. A obra se passa durante o entreguerras na Áustria e traz como protagonista a jovem Christine, lançada das agruras do pós-guerra à vida repleta de conforto, ostentação e privilégios em um luxuoso hotel nos Alpes Suíços. Uma experiência transformadora que lhe faz sonhar com um futuro que sua dura realidade sublimou por tanto tempo. Mas, uma experiência com prazo para terminar e que tornará o encarar de sua dura realidade ainda mais doloroso e sufocante. É assim que Zweig nos joga do conto de fadas da primeira parte nos labirintos sombrios da psique humana na última.

A trama se passa em 1926. Em uma pequena cidade do interior da Áustria embebida em crises econômicas, fome, desemprego e em inquietação social depois do fim da Primeira Guerra Mundial, encontramos Christine Hoflehner. Uma moça de 28 anos restrita ao cotidiano de uma repartição pública, especificamente de uma agência postal, até que o marasmo diário é quebrado com a chegada de um telegrama de Pontresina. Um convite direcionado à mãe de Christine, que doente, generosamente o transfere à filha. Mas esta, longe está de se animar com a ideia. A guerra acabou com o riso fácil de Christine, consumiu sua juventude e lhe tirou a vontade de ousar com a felicidade. É com relutância que Christine parte para Pontresina para se encontrar com sua tia e o marido desta e é com sentimento de inequidade e vergonha por sua pobreza que ela adentra ao mundo de luxo e fartura. Começa a transformação de Christine patrocinada pela tia. Dá-se início ao processo de Christine apaixonar-se por si mesma. E de desfrutar as benesses de se encontrar naquela espécie de paraíso.

“Neste momento uma criatura ditosamente liberta, abalada até o íntimo, pela primeira vez começa a suspeitar que nossa alma é urdida de um material misteriosamente sutil e maleável, que uma única experiência é capaz de expandi-la até o infinito, e todo um universo cabe em seu minúsculo espaço. ” (Páginas 75-76).

Acostumar-se ao luxo é fácil, cair nas armadilhas psicológicas para tentar manter o status adquirido também. Mas, no final das contas, eram férias e como tal tinham data de validade ainda que ela possa ter sido mais abrupta do que Christine esperava. Do luxo à pobreza, da felicidade à tristeza, da alegria esfuziante ao ódio reativo. Saímos da atmosfera brilhante e um tanto supérflua da primeira parte para mergulhar em uma voragem de amargura e ironia, com um pungente tom crítico, principalmente no que diz respeito à guerra, no final. É nessa parte que Zweig escancara as mazelas sociais: a incompletude dos que retornam da guerra, a sensação de não pertencimento, de não entendimento do mundo como o resto das pessoas; a utopia da mobilidade social, sempre dificultada pelos poucos que estão nas posições mais altas; a ineficácia do Estado em garantir vida digna a todos os seus cidadãos; o desencanto com a vida e com a falta de oportunidades que proporcionam terreno fértil para que medidas extremas sejam delineadas. Transformar-se pode ter sido uma experiência extasiante para Christine, mas, ter de remover essa fantasia deu início a uma crise de abstinência massacrante, destinada a estar presente pelo resto de sua vida.

 

*Êxtase da Transformação foi o livro enviado pela TAG Curadoria em Novembro de 2019. A curadora foi a escritora israelense, Ayelet Gundar-Goshen.

**Este foi o livro que escolhi para representar a Áustria no Projeto Volta ao Mundo em 198 Livros.

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