Uma Casa no Fim do Mundo (Michael Cunningham)

Michael Cunningham conheceu Virginia Woolf ainda na adolescência e logo estabeleceu uma conexão afetiva e artística com a autora. Foi inspirado nela que adentrou ao mundo da escrita; foi homenageando ela que ele recebeu o maior prêmio de sua carreira; e é no uso do fluxo de consciência, ainda que de forma tímida algumas vezes, e nos pensamentos digressivos de seus personagens, que ao ressoar a técnica tão bem empregada por Woolf, ele nos entrega uma narrativa a quatro vozes em uma explosão de solilóquios mentais que grudam o leitor às páginas de Uma casa no fim do mundo.

O romance, publicado em 1990, é considerado por Cunningham como sendo sua verdadeira estreia no meio literário, apesar de ter publicado um livro antes (em 1984). Nele o autor traz a história de um trio de jovens que na busca por encontrar seu lugar no mundo, ousaram seguir caminhos pouco convencionais mesmo na sociedade americana da década de 1980 ainda fortemente influenciada pelos ideais libertários do Festival de Woodstock. A trama que engloba mais de vinte anos, primeiro nos anos de 1960 em Cleveland e mais tarde nos anos de 1980 em Nova York, perpassa pela utopia hippie, a cultura gay nos Estados Unidos e a disseminação da AIDS. Temas espinhosos, mas tratados com a sensibilidade necessária sem deixar de lado a crítica social.

A trama é apresentada em três partes. Na primeira acompanhamos a infância e adolescência de Bobby e Jonathan. Bobby e suas primeiras experiências com drogas, ainda na infância, e a morte trágica do irmão mais velho que dilacerou seu núcleo familiar. Jonathan e seu relacionamento codependente com sua mãe Alice (outra voz nessa história). Na adolescência o maior contato entre eles, o nascer da amizade e de uma relação quase simbionte, pontuada por muita música, descobertas sexuais e o desabrochar de sentimentos além da amizade.

A segunda parte marca a transição, o desapego a Cleveland e a mudança de foco para Nova York. Clare, a companheira de moradia de Jonathan, adentra à história. Além disso, a chegada de Bobby provoca toda uma mudança na dinâmica da dupla de amigos, culminando na terceira e última parte com a construção de um relacionamento pouco comum e todas as implicações que cada um teve de lidar para assumir essa vida.

“Bobby, o negócio é que parece que eu me apaixonei por vocês dois. Parece estranho, eu sei. Nunca esperei que uma coisa assim fosse acontecer. Quer dizer – bom, não é para isso que a gente se prepara. Parece que eu me apaixonei por você e por Clare juntos. Percebi naquela noite lá no telhado. Eu não queria namorar o Erich, nem ninguém mais. É uma coisa que não tem jeito. Conhecendo vocês, parece que não vou me apaixonar por mais ninguém. ” (Página 254).

Escolher contar essa história a quatro vozes foi uma decisão acertada de Cunningham. Ao fornecer informações ao leitor, que são negadas aos personagens e isso porque boa parte da narrativa repousa nos recantos das mentes deles, ele nos prende na espera ansiosa do momento em que muitos desses pensamentos serão revelados. Seus personagens não são perfeitos: Bobby pode ser muito acomodado, Jonathan impulsivo, Clare controladora e Alice intransigente e até mesmo preconceituosa. É normal você se irritar com eles muitas vezes, mas eles transparecem tanta verdade com suas falhas que você se pega torcendo por eles sem perceber.

Essencialmente é uma obra sobre experiências formativas, principalmente no caso de Bobby e Jonathan que acompanhamos desde a infância, e os questionamentos e desdobramentos que permeiam nossas escolhas. Uma história sobre o agora, mas não uma ode ao imediatismo e sim um pedido para que se viva o presente. Para que ao deixarmos de viver ansiando pelo futuro, possamos aproveitar o que a vida nos oferece no agora.

 

*Uma Casa no Fim do Mundo foi o livro enviado pela TAG Curadoria em Dezembro de 2019. A curadora foi a escritora argentina, Mariana Enriquez.

 

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Arquivado em Lendo aleatoriamente, Resenhas da Núbia

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