
“(…) os cinco cercados por moscas verdes reconheceram enfim o que assomava sobre a espuma amarela da água: o rosto putrefato de um morto entre os juncos e as sacolas de plástico que o vento empurrava da estrada, a máscara preta que fervilhava com uma miríade de cobras negras, e sorria. ” (Página 18).
Quando Fernanda Melchor idealizou este livro, ela queria fazer um livro-reportagem. A notícia de um cadáver de um bruxo, encontrado num canal de irrigação em um vilarejo canavieiro, suspeito de ter sido morto por seu amante para vingar a doença que afligiu sua esposa supostamente por causa de feitiços feitos pelo bruxo em questão. Melchor queria enfocar o fato da bruxaria ser utilizada como motivo plausível para justificar crimes bárbaros, mesmo pelas autoridades policiais. Mas, as dificuldades de buscar dados em uma região dominado pelo narcotráfico e pela violência contra as mulheres, a fez optar por enveredar pelo campo da ficção.
La Matosa é um vilarejo ficcional no estado de Veracruz, um lugar onde todas as mazelas sociais imperam. É também um lugarejo dominado pelo imaginário popular sobre uma bruxa, temida e influente, aterrorizadora e digna de pena. A trama tem início com garotos encontrando um cadáver em decomposição às margens de um canal. O cadáver da Bruxa. A pessoa que todos procuram para desafogar suas mágoas, atenuar seus anseios, renovar suas esperanças e livrar-se de empecilhos, mas que também é ignorada e enxergada como a mais vil das criaturas. Quem a matou? Qual foi a motivação do crime? Com uma narrativa frenética e sem pausas, evidenciada pela ausência de capítulos, Melchor vai introduzindo diferentes personagens enquanto desvela a vida em La Matosa e a trama de relacionamentos que orbitava a Bruxa. A garota que fugindo de casa, acabou envolvida em um relacionamento sem futuro; os rapazes que confrontados por seus desejos, os renegam na base da violência; a falsa crença de um tesouro que incita ações em prol de um enriquecimento fácil.
É assim que Melchor conseguiu criar uma trama pungente e complexa na qual todos os meandros de um crime brutal são esmiuçados. Da vítima aos culpados, Melchor entrega todos os pormenores, virtudes e defeitos, intenções e maquinações, além dos atos e discursos que perpetuam situações de exclusão, como por exemplo o machismo tão arraigado no cotidiano. Com uma narrativa polifônica, ainda que algumas vozes permaneçam silenciadas intencionalmente, verborrágica e com um flerte com o realismo fantástico, Melchor explora as nuances psicológicas e emocionais daquilo que é caracteristicamente denominado de “crime passional”, sem deixar de lado o discurso crítico tão necessário. Vale a pena manter o radar ligado nas publicações da autora.
*Temporada de Furacões foi o primeiro livro a ser enviado pelo Clube Tortilla. “Uma Facción Literaria” encabeçada pelas editoras Moinhos e Mundaréu que envia livros de literatura hispânica para seus associados.
**Este foi o livro que escolhi para representar o México no Projeto Volta ao Mundo em 198 Livros.
Leia uma amostra aqui:

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