
“(…) quando imaginava – pressentimento terrível – um mundo privado até mesmo dos pretextos mais idiotas para escrever poemas (…), então eu intuía uma perda inestimável, uma perda não de obras de arte, mas da própria arte, e portanto infinita, o triunfo total do real, e me dei conta de que em um mundo assim eu engoliria uma cartela inteira de comprimidos brancos.” (Página 55).
Quando li a sinopse de Estação Atocha achei que a trama guardava muitas semelhanças com A Velocidade da Luz do Javier Cercas, a diferença residindo no caminho inverso traçado pelos protagonistas. Lá o protagonista espanhol ganha uma bolsa de estudos nos Estados Unidos, aqui é um americano, Adam Gordon, que parte para Madri com uma bolsa de estudos com um projeto para finalizar um longo poema sobre a Guerra Civil Espanhola. Mas, se o protagonista de Cercas respirava literatura, o de Lerner adora uma elucubração, principalmente quando o exercício o mantém alienado do seu projeto.
O romance de Lerner conta com muitas referências à literatura, música e artes visuais. Se você não tem uma leitura de apoio (com direito a ilustrações) como a da TAG, fazer uso da internet se torna essencial para poder visualizar as obras citadas pelo autor. Ainda que a desconexão artística vivenciada por Adam tente manter-nos alheios às artes que nos cercam, a imersão proporcionada pela narrativa de Lerner ainda assim nos convida a conhecer um pouco mais as obras de arte que seu protagonista entra em contato. Uma tarefa difícil, confesso, quando Adam é o que podemos chamar de cultivador da preguiça. Ele deixa a vida “levá-lo” no seu projeto, na sua experiência em um país no qual não se esforça realmente em aprender a língua, na sua entrega a arte. E ele é consciente disso. É como se fizesse questão de se manter em constante desconexão artística, mesmo quando imerso nela.
É assim que o romance que se delineava inicialmente extremamente conectado com as artes visuais, a música e a literatura, transforma-se num emaranhado de pensamentos desconexos sobre poética, relações familiares, relações amorosas idealizadas e desilusões no amor. E, mesmo quando a realidade tenta penetrar pelas páginas, como o drama vivenciado pelo amigo ou os ataques terroristas de 11 de março de 2004 em Madri, Adam é exímio em negá-la e se recusa a participar da mesma.
Quando comecei a leitura, esperei terminá-la odiando ou amando odiar Adam, mas terminei em meio a um sentimento de indiferença. O sentimento de deslocamento exprimido pelo protagonista é tão imenso que se expande além das páginas e interfere na experiência de leitura que de certa forma se torna apática. A trama acaba por tornar-se frágil e a narrativa pouco envolvente.
*Estação Atocha foi o livro enviado pela TAG Curadoria em Fevereiro de 2020. A curadora foi a escritora brasileira Marília Garcia.
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