
Pequena Coreografia do Adeus é facilmente uma das minhas melhores leitura do ano de 2021. Não conhecia nada da Aline Bei, já tinha ouvido elogios ao seu romance de estreia “O Peso do Pássaro Morto” (que agora quero desesperadamente ler), mas nada tinha me preparado ao choque de me ver imersa em uma narrativa na qual a prosa transmuta-se em poesia.
“outra coisa divertida aos meus olhos era a Música
(…)
sem canto, só nota
igual àquela que saía do caminhão de gás, deixando a rua mais bonita por alguns instantes e depois
saudosamente bonita, quando o caminhão acabava de passar.”
(página 25)
É Júlia Terra quem nos convida a conhecer sua história, essencialmente, a obra de Bei é um romance de formação. Conhecemos Júlia em sua infância e acompanhamos suas experiências, principalmente as familiares, até a vida adulta. É seu núcleo familiar, ou para ser mais precisa, a forma como ele vai se esgarçando com o passar do tempo, que dita o ritmo da vida de Júlia. O casamento conflituoso dos pais, a separação, as relações conturbadas entre mãe e filha e pai e filha e a necessidade de amor que sempre acompanhou Júlia. É em meio a essa fragmentação familiar que ela precisa construir sua identidade, não é uma tarefa fácil.
A narrativa está dividida em duas partes Júlia e Terra. Na primeira parte Júlia está deixando a infância, indo em direção à adolescência. É ali, em meio às brincadeiras infantis que logo ela terá de abandonar, que ela é confrontada com a felicidade do pai longe da mãe (e longe dela) e com a relação inexistente com a mãe, sempre pautada pela amargura desta com o casamento falido. A interpretação da rotina familiar pela ótica infantil é contundente, ainda que Júlia não esteja preparada para captar as nuances do relacionamento dos pais, em sua ingenuidade, ela não deixa nada passar. O retrato é bastante fidedigno. E o seu clamor por amor e atenção é pungente. A vida em “ping pong” entre as casas dos pais, sem nunca se sentir pertencente a nenhum lugar; os problemas na escola; as aulas de balé e os momentos de alegria roubados; a sensação de que a felicidade não foi feita para ela. A segunda parte chega trazendo o grito de Júlia por independência. Ela que nunca foi ouvida em casa, acaba encontrando sua voz no mundo. Ainda que por vezes ela saia entrecortada.
Esse é daqueles livros que poderia facilmente ser indicado para ser lido em apenas um dia: texto enxuto, parágrafos curtos, poucos personagens… Mas, as frases de Bei transbordam tanto sentimento e Júlia se torna uma personagem tão próxima, que a vontade é de ler à conta-gotas, em doses paulatinas para garantir que o adeus derradeiro demore a chegar.
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