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Sem Gentileza (Futhi Ntshingila)

“Foi naquele dia, quando a bolsa de auxílio-doença da mãe foi suspensa, que Mvelo parou de pensar mais do que um dia por vez. Aos quatorze anos, aquela menina que antes adorava cantar e dar risada parou de ver o mundo em cores. E passou a vê-los em tons cinzentos e opacos. Teria que pensar como adulta para manter sua mãe viva. Estava em meio à escuridão. ” (Página 9)

Ter começado o projeto de leitura “Volta ao Mundo em 198 Livros” ampliou consideravelmente meu horizonte de leituras. Não somente em direção aos clássicos, como também em direção aos autores contemporâneos. Foi estimulada pelo projeto que decidi escolher o livro da Futhi Ntshingila para ser o representante da África do Sul. Futhi é jornalista e mestra em Resolução de Conflitos. Ela tem dois livros publicados, ambos marcados pela característica de fornecerem voz às mulheres ignoradas historicamente. Uma literatura feminista em essência e sul-africana em suas raízes.

Sem Gentileza traz a história de Zola e Mvelo. Mãe e filha vivem nos guetos da África do Sul, em um período pós apartheid, mas ainda assim muito marcado por ele. Negras e pobres, tiram da resiliência a força para sobreviver em uma sociedade marcada pelo medo pungente da aids, e na qual os direitos das mulheres são cerceados pela conduta machista que impregna toda a sociedade. Uma sociedade na qual a prática de testes de virgindade é utilizada para combater o abuso infantil disseminado, mas que acaba por colocar um alvo de pureza nas testas das garotas que se tornam vítimas de estupros dos soropositivos que acreditam nos boatos de que ficariam curados se deitassem com uma virgem. A intenção pode até ser de proteção, mas acaba se tornando uma ameaça e uma ferramenta de humilhação e julgamento das mulheres testadoras com as garotas. Continuar lendo

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Mistério no Centro Histórico (Tailor Diniz)

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No prefácio de Crime na Feira do Livro (2010), a obra na qual Diniz nos apresenta o detetive Walter Jacquet, o autor havia comentado sobre a dificuldade em dar continuidade a outras histórias com o personagem, uma pendenga que foi solucionada por ele. Em Mistério no Centro Histórico Diniz resgata seus personagens e nos convida a enveredar novamente pela cidade de Porto Alegre. Estão de volta Walter Jacquet, seu amigo Joãozinho e Inácia, a governanta de Joãozinho que tem o dom de fazer comentários certeiros e por vezes hilários.

Apesar de editorialmente ser mais recente do que Crime na Feira do Livro, a trama de Mistério no Centro Histórico é mais antiga. Enquanto a trama sobre o assassinato de Adavílson Doceiro tem lugar em 2008, neste os acontecimentos se passam em 2002, isso porque a ideia para essa história tem raízes antigas. A trama que envolve um suposto atentado terrorista no centro histórico de Porto Alegre, a criação de um romance e a confrontação dos fatos pelo uso da lógica, surgiu de um projeto de mestrado apresentado por Diniz à PUCRS há cerca de dez anos.  A proposta não foi selecionada, mas Diniz decidiu não abandonar a trama e finalizar a história.

Na trama, Joãozinho Macedônio, aspirante a escritor, finalmente consegue escrever uma novela baseada em um fato real, a explosão de uma bomba no centro histórico de Porto Alegre. Por depositar todas as suas esperanças nesse manuscrito, ele logo pede que seu amigo – o detetive Walter Jacquet recém-chegado dos EUA para uma temporada na cidade – avalie a sua história. Bomba explodindo em lugar diferente do sugerido por uma denúncia anônima, muitos interesses políticos e uma pressa suspeita em capturar o autor do atentado, incitam Walter a utilizar a lógica para desconstruir passa-a-passo o caso (e para desespero de Joãozinho de sua novela) e enveredar por suas próprias investigações. Continuar lendo

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Fetiche (Carina Luft)

Carina Luft, natural de Montenegro – RS e egressa da oficina literária de Charles Kiefer, escolheu a podofilia (fetiche por pés) como ponto de partida para se enveredar pelo mundo do romance policial. A novela, publicada em 2010 pela editora Dublinense, tem como cenário a pequena cidade ficcional de Adenauer no interior do Rio Grande do Sul, que está abalada por uma série de crimes. Jovens aspirantes à modelo começam a aparecer mortas e seus pés, arrancados dos corpos são levados como troféus. Cabe ao já calejado delegado Weber e ao jovem investigador Nestor a tarefa de descobrir e prender esse assassino psicopata.

Diferentemente do formato ao qual estamos acostumados em se tratando de literatura policial, em Fetiche, Carina escolheu entregar os assassinos (pelo menos parcialmente) logo de cara. Retira do leitor a atividade de tentar descobrir o assassino antes da conclusão da história, para investir no ato investigativo em si. Na rotina da DP em juntar as provas, retirar algum sentido delas, entender a mente do assassino e assim o capturarem. Continuar lendo

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Crime na Feira do Livro (Tailor Diniz)

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No texto da ‘orelha do livro’ Altair Martins diz que: “Esta é uma novela para se ler em Porto Alegre ou, ao menos, tendo na retina suas ruas, a paisagem do Guaíba e, sobretudo, dos Jacarandás da Feira do Livro.” Então, devo confessar que foi com apreensão que comecei a ler o texto de Diniz, tinha receios de que não aproveitasse o texto em sua totalidade, ou que escapasse às minhas retinas virgens minúcias que qualquer porto-alegrense poderia captar. Meus receios mostraram-se infundados, Diniz descreve os lugares com tanta clareza que é impossível não conseguir imaginar-se às margens do Guaíba, na Casa de Cultura ou a perambular pela Rua Sete de Setembro. Não conhecer POA, não te impede de aproveitar as aventuras do detetive Jacquet.

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