Um Homem Bom é Difícil de Encontrar e outras histórias (Flannery O’Connor)

Mary Flannery O’Connor nasceu na Georgia em 1925. Assim que se formou em Ciências Sociais, partiu para o norte em busca de novas experiências e de uma carreira literária. Em 1952, mesmo ano da publicação do seu primeiro romance, O’Connor descobriu que tinha lúpus, a mesma doença que matara seu pai. Acabara ali sua vida errante, tendo de voltar a vida no campo no sul. Ali, não se entregou a doença e escreveu mais um romance e mais trinta contos. “Um Homem Bom é Difícil de Encontrar e outras histórias” foi sua primeira coletânea de contos, publicada em 1955. Um perfeito retrato da famosa contista considerada um expoente da literatura gótica sulista. O grotesco, a tragédia, o conservadorismo, a religião, o preconceito, a mesquinhez humana, são elementos que estão presentes na obra.

“Passado e futuro, para ele, eram a mesma coisa, um esquecido e o outro não lembrado.” (Página 189).

O conto que dá título ao livro chega em uma viagem de carro familiar que nos deixa entrever relações estremecidas e conflituosas. O racismo, o preconceito, o machismo estrutural e o etarismo são alguns temas que transbordam nos diálogos entre os viajantes. Mas, O’Connor demonstra que nada é tão ruim que não possa piorar e a tragédia anunciada pela avó no início da viagem, que poderia ser considerado apenas um medo senil, ganha contornos bastante reais e cruéis. O Rio, segundo conto, não chega trazendo um cenário melhor ao explorar as relações familiares alquebradas e tudo o que elas podem trazer para os mais vulneráveis, as crianças. A narrativa feita pelo ponto de vista do garoto, torna a mensagem ainda mais pungente. A vida que você salva pode ser a sua leva o foco para o egoísmo e os estratagemas que ele pode desencadear. Um golpe de sorte traz as angústias de uma mulher que luta contra a possibilidade de estar grávida. Um tempo do Espírito Santo traz a aceitação como “lição”, uma aceitação pautada pelo divino e, portanto, sem abertura para questionamentos. Em O negro artificial e Um círculo de fogo há os conflitos de gerações e a questão racial, um retrato temporal das relações raciais conturbadas e opressivas no sul escravagista no qual a autora viveu. Um último encontro com o inimigo e Gente boa da roça coloca o ego em evidência, o ego que nos faz perder a atenção nos outros ao redor, que nos enche de uma empáfia que longe de nos proteger nos torna mais vulneráveis. Algo que no ponto de vista de O’Connor nos afasta da religião e nos coloca em perigo. E, finalmente, em O refugiado de guerra ela acrescenta uma nova figura, o do refugiado europeu que se espalharam pelas fazendas americanas nesse período. O retrato da vida no campo sulista, as mudanças nas relações de trabalho, o racismo naturalizado e os conflitos advindos da introdução de novas figuras na comunidade rural já estabelecida.

Os dez contos presentes aqui fornecem uma boa mostra das características da produção literária da autora. Não são histórias bonitas, não há um alívio quando chegamos ao final de cada história. Na verdade, o sentimento de inadequação e de vergonha pelo comportamento humano é algo que constantemente nos acompanha. E, ainda que a religião esteja presente em muitas das narrativas, ela não chega apaziguadora e/ou consoladora, e, quando ela atinge a capacidade redentora, isso acontece por caminhos tortuosos. É assim que O’Connor nos mostra nas entrelinhas os Estados Unidos sulista, derrotado na Guerra Civil, mas fortemente arraigado aos seus preceitos morais e às relações sociais. Não é uma viagem muito bela de se acompanhar, mas definitivamente é impactante e duradoura.


*Um homem bom é difícil de encontrar e outras histórias foi o livro enviado pela TAG Curadoria em Março de 2020. A curadora foi a escritora brasileira Martha Batalha.

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Arquivado em Lendo aleatoriamente, Resenhas da Núbia

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