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A Terceira Vida de Grange Copeland (Alice Walker)

A Terceira Vida de Grange Copeland é o primeiro romance de Alice Walker. Escrito entre 1966 e 1969 foi finalizado quando Walker tinha apenas 25 anos. Com sua trama pungente, dolorosa e que causa asco e revolta em muitas de suas passagens, Walker entrega uma trama de um ciclo sem fim de sonhos e projetos para o futuro, sendo massacrados por repetidas derrocadas que perpassam gerações na família Copeland. Com eles, uma família negra do sul dos Estados Unidos, Walker escancara o ciclo do racismo ao qual muitos negros se viram presos durante a chamada reconstrução pós abolição.

Pode-se reconhecer três grandes partes na obra de Walker, três partes de um ciclo que engloba três gerações da família Copeland. A primeira começa no núcleo familiar composto por Grange, Margaret e Brownfield, este último quando tinha somente dez anos. A trama tem início com Brownfield e os pais se despedindo dos tios e primos que moram na Filadélfia. Estabelece-se assim o confronto de realidades distintas e contundentes, um exemplo caro do “racha” norte versus sul para a comunidade negra norte-americana. Ali na Georgia, a vida da família Copeland segue sem perspectivas de melhorias e em cinco anos Brownfield vê a sua vida sofrer uma guinada, para pior. O pai foi embora, a mãe e o irmão menor morreram, Brownfield foi deixado sozinho, deixado para herdar o destino do pai, de se tornar um eterno devedor de um homem branco. Ele foge com os pensamentos no norte, mas acaba parando em um condado próximo…

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Forward (Blake Crouch e outros autores)

Depois da minha experiência positiva com o Blake Crouch (se você ainda não leu “Matéria Escura”, leia), é claro que eu iria dar uma chance para uma coletânea idealizada por ele e que conta com autores como N. K. Jemisin de “A Quinta Estação” e Andy Weir do divertidíssimo “Perdido em Marte”.

Pensar no futuro. Essa foi a grande questão proposta por Crouch. Para ser mais específica, ele queria criar uma história sobre e levar outros escritores a escrever sobre a futurologia. A futurologia busca equilibrar os referenciais quantitativos com uma leitura subjetiva de possíveis desdobramentos futuros, partindo da análise de dados disponíveis no presente. São esses mundos novos, pensados a partir de nossa realidade atual, que Crouch nos convida a conhecer.

São seis contos e é Crouch que inicia essa jornada com “Summer Frost”, no qual ele brinca com o conceito de realidade. A trama que lembra uma mistura de Matrix, Jogador n° 01 e Westworld traz Max, uma I.A. (inteligência artificial), como protagonista. Ela que foi “criada” por Riley, originalmente para um jogo, mas que se desenvolveu de uma forma inimaginável, que Riley a “extraiu” do jogo e agora vive a ter “sessões” com Max. Crouch traz para discussão um dos assuntos mais controversos quando falamos sobre o que esperar do futuro. Serão as I.A. transformadas em superinteligências incontroláveis pelos humanos e que poderão provocar nossa destruição? Esse temor percorre toda a narrativa do conto, que tem um ritmo alucinante e garante uma leitura frenética.

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É assim que se perde a guerra do tempo (Amal El-Mohtar & Max Gladstone)

“Eu aprecio a sua sutileza. Nem toda batalha é grandiosa, nem toda arma é violenta. Mesmo nós que lutamos guerras através do tempo esquecemos o valor de uma palavra no momento certo, um ruído no motor do carro certo, um prego na ferradura certa… É tão fácil esmagar um planeta que o valor de um sopro em um banco de neve pode passar despercebido.” (Página 20).

Um dia em um campo de batalha Red encontra uma carta. Nela está escrito: “Queime antes de ler”. A carta é de Blue, outra agente, de uma facção rival. Uma carta de admiração? Uma armadilha? Uma declaração de uma vitória vindoura? Começa assim, uma correspondência entre Red e Blue.

            Entender o que são as personagens criadas por El-Mohtar e Gladstone não é tarefa fácil. São androides? Algo mais místico e fantasioso? Além do fato de que podemos associar Red a elementos cibernéticos e Blue a elementos vegetais nada mais nos é revelado. Mas, tirando as características que as colocam em campos distintos na batalha esmiuçada na trama, suas características físicas se tornam meros detalhes perante as características psicológicas de cada uma.

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Duna (Frank Herbert)

Apesar de já ter um certo costume em ler ficção científica, confesso que às vezes caio em algumas armadilhas montadas por pressupostos. Narrativa árida, trama confusa, muitos personagens, background de mundos, classes sociais e política difícil de desemaranhar. Foi o que me manteve afastada de Duna durante um bom tempo. Comprei o livro quando a Editora Aleph lançou lá atrás, guardei na estante, lançaram uma nova edição, troquei a minha antiga por esta e tornei a colocar na estante. E, ainda bem que veio o filme do Villeneuve e minha mania de assistir ao filme só depois de ter lido o livro reinou. A história de Frank Herbert me pegou de jeito. Publicado em 1965, quem diria que um planeta sedento por água poderia ressoar tanto em nossa atualidade? Talvez resida aí a beleza das histórias de ficção científica bem escritas. Há sempre algo que pode ser interpretado à luz do que estamos vivendo. Lembrar que isso foi imaginado há mais de cinquenta anos, torna a história ainda mais envolvente.

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Um Homem Bom é Difícil de Encontrar e outras histórias (Flannery O’Connor)

Mary Flannery O’Connor nasceu na Georgia em 1925. Assim que se formou em Ciências Sociais, partiu para o norte em busca de novas experiências e de uma carreira literária. Em 1952, mesmo ano da publicação do seu primeiro romance, O’Connor descobriu que tinha lúpus, a mesma doença que matara seu pai. Acabara ali sua vida errante, tendo de voltar a vida no campo no sul. Ali, não se entregou a doença e escreveu mais um romance e mais trinta contos. “Um Homem Bom é Difícil de Encontrar e outras histórias” foi sua primeira coletânea de contos, publicada em 1955. Um perfeito retrato da famosa contista considerada um expoente da literatura gótica sulista. O grotesco, a tragédia, o conservadorismo, a religião, o preconceito, a mesquinhez humana, são elementos que estão presentes na obra.

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Estação Atocha (Ben Lerner)

“(…) quando imaginava – pressentimento terrível – um mundo privado até mesmo dos pretextos mais idiotas para escrever poemas (…), então eu intuía uma perda inestimável, uma perda não de obras de arte, mas da própria arte, e portanto infinita, o triunfo total do real, e me dei conta de que em um mundo assim eu engoliria uma cartela inteira de comprimidos brancos.” (Página 55).

Quando li a sinopse de Estação Atocha achei que a trama guardava muitas semelhanças com A Velocidade da Luz do Javier Cercas, a diferença residindo no caminho inverso traçado pelos protagonistas. Lá o protagonista espanhol ganha uma bolsa de estudos nos Estados Unidos, aqui é um americano, Adam Gordon, que parte para Madri com uma bolsa de estudos com um projeto para finalizar um longo poema sobre a Guerra Civil Espanhola. Mas, se o protagonista de Cercas respirava literatura, o de Lerner adora uma elucubração, principalmente quando o exercício o mantém alienado do seu projeto.

O romance de Lerner conta com muitas referências à literatura, música e artes visuais. Se você não tem uma leitura de apoio (com direito a ilustrações) como a da TAG, fazer uso da internet se torna essencial para poder visualizar as obras citadas pelo autor. Ainda que a desconexão artística vivenciada por Adam tente manter-nos alheios às artes que nos cercam, a imersão proporcionada pela narrativa de Lerner ainda assim nos convida a conhecer um pouco mais as obras de arte que seu protagonista entra em contato. Uma tarefa difícil, confesso, quando Adam é o que podemos chamar de cultivador da preguiça. Ele deixa a vida “levá-lo” no seu projeto, na sua experiência em um país no qual não se esforça realmente em aprender a língua, na sua entrega a arte. E ele é consciente disso. É como se fizesse questão de se manter em constante desconexão artística, mesmo quando imerso nela.

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A Era da Escuridão (Katy Rose Pool)

“Sete Profetas que cercavam o Círculo de Pedras. Endarra, a honesta, com uma coroa de louros; Keric, o caridoso, oferecendo uma moeda; Pallas, o fiel, segurando um galho de oliveira; Nazirah, a sábia, carregando a tocha do conhecimento; Tarseis, o justo, segurando uma balança; Behezda, a misericordiosa, com as mãos estendidas; e o Viajante sem rosto. Sete estátuas para os sete homens e mulheres mais sábios da Antiguidade, que procuraram o conhecimento do destino do mundo para que pudessem servir melhor ao seu povo. Que tinham dado ao povo o poder das Quatro Graças dos Corpo. Que tinham vivido por mais de dois mil anos, guiando o seu destino. ” (página 93)

O Continente Pélagos é composto pelas cidades proféticas que foram fundadas pelos Sete Profetas, os homens e mulheres mais sábios da Antiguidade. Hoje, eles desapareceram deste mundo, assim como suas profecias, exceto uma, a que prenuncia a chegada da Era da Escuridão. É com essa premissa que Katy Rose Pool nos convida a mergulhar no primeiro volume de sua trilogia. Nesse mundo, habitado por pessoas comuns, guerreiros bem treinados e pessoas com dons sobrenaturais chamados de Agraciados, cinco jovens têm suas vidas entrelaçadas pelos meandros dessa antiga profecia.

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Colecionando Textos #72

 

 

*Feito no Canva.

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Uma Casa no Fim do Mundo (Michael Cunningham)

Michael Cunningham conheceu Virginia Woolf ainda na adolescência e logo estabeleceu uma conexão afetiva e artística com a autora. Foi inspirado nela que adentrou ao mundo da escrita; foi homenageando ela que ele recebeu o maior prêmio de sua carreira; e é no uso do fluxo de consciência, ainda que de forma tímida algumas vezes, e nos pensamentos digressivos de seus personagens, que ao ressoar a técnica tão bem empregada por Woolf, ele nos entrega uma narrativa a quatro vozes em uma explosão de solilóquios mentais que grudam o leitor às páginas de Uma casa no fim do mundo.

O romance, publicado em 1990, é considerado por Cunningham como sendo sua verdadeira estreia no meio literário, apesar de ter publicado um livro antes (em 1984). Nele o autor traz a história de um trio de jovens que na busca por encontrar seu lugar no mundo, ousaram seguir caminhos pouco convencionais mesmo na sociedade americana da década de 1980 ainda fortemente influenciada pelos ideais libertários do Festival de Woodstock. A trama que engloba mais de vinte anos, primeiro nos anos de 1960 em Cleveland e mais tarde nos anos de 1980 em Nova York, perpassa pela utopia hippie, a cultura gay nos Estados Unidos e a disseminação da AIDS. Temas espinhosos, mas tratados com a sensibilidade necessária sem deixar de lado a crítica social. Continuar lendo

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Bluebird, Bluebird (Attica Locke)

O livro da Attica Locke publicado originalmente em 2017, no Brasil em 2020, não poderia ser mais emblemático num ano em que o movimento Black Lives Matter esteve tanto em evidência. Tensão racial, as relações intricadas das pequenas comunidades e o questionamento de uma justiça que deveria garantir igualdade e equidade, são temas que permeiam a narrativa de Bluebird, Bluebird. A começar por seu protagonista Darren Mathews, um Texas Ranger negro, que já surge destinado a lutar contra o racismo estrutural que permeia o sistema de segurança pública texano.

“(…) no caso de homens como nós, calças folgadas ou uma camisa para fora da calça gritavam “suspeito”. (…) “Não dê a eles motivo para pará-lo, meu filho. ” (…). Seus tios seguiam essas regras antigas da vida no Sul, pois compreendiam a facilidade com que o comportamento geral de um negro podia virar uma questão de vida ou morte. ” (Página 24).

A trama de Locke já começa com Darren envolvido no julgamento de Mack, um trabalhador negro da fazenda da família de Darren, acusado de ter assassinado um homem branco. Até então, Darren estava participando de uma força-tarefa dos Texas Rangers que estava colaborando com o FBI na investigação da Irmandade Ariana do Texas (IAT) por drogas e associação criminosa, mas não por questões raciais (ainda que o nome de Darren figurasse constantemente nas mídias sensacionalistas do grupo). Agora ele está suspenso. É quando a pedido de um amigo ela acaba se envolvendo no incidente em Lark. A pequena cidade do Condado de Shelby registrou em uma semana duas mortes. A de um homem negro e a de uma mulher branca. Apenas esta última, chamou as atenções das forças policiais locais. Continuar lendo

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