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O Impulso (Ashley Audrain)

“Você me queria alerta e paciente. Me queria descansada, para eu poder cumprir com meus deveres. Antes, você costumava se preocupar comigo como pessoa – minha felicidade, as coisas que me faziam bem. Agora eu era uma prestadora de serviços. Você não me via como mulher. Eu era apenas a mãe da sua filha.” (Página 67).

A narrativa da história de Ashley Audrain é feita em primeira pessoa, por Blythe. Blythe que vem de uma família sem bons modelos maternos e que sonha em ser uma mãe melhor para seus filhos. Mas essa experiência não acontece da forma como ela almejava. A adaptação de Blythe à maternidade é dura. Seu relacionamento com sua filha não flui e as implicações disso para o seu casamento não são das melhores. Mas, se engana quem pensa que esse é só um livro sobre casamento e maternidade, Audrain tempera essa mistura com um toque de suspense muito bem conduzido e que mantém o leitor ligado até a sua conclusão.

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A História de Shuggie Bain (Douglas Stuart)

A história se passa na Glasgow dos anos 1980 e 1990, quando a depressão econômica fechou fábricas, estaleiros, carvoarias, deixando à própria sorte a vasta classe trabalhadora da cidade. O romance com traços autobiográficos traz como tema principal a parentalização infantil, que ocorre quando o filho passa a se encarregar das funções parentais conforme entendidas no contexto sociocultural e histórico em que ele vive. É esse papel que Shuggie Bain, o protagonista desta história, teve de assumir ainda na tenra infância. Ao mesmo tempo que teve que lidar sozinho com as diferenças que ele via entre ele e as outras crianças de sua idade e todos os abusos que sofreu advindos disso.

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Forward (Blake Crouch e outros autores)

Depois da minha experiência positiva com o Blake Crouch (se você ainda não leu “Matéria Escura”, leia), é claro que eu iria dar uma chance para uma coletânea idealizada por ele e que conta com autores como N. K. Jemisin de “A Quinta Estação” e Andy Weir do divertidíssimo “Perdido em Marte”.

Pensar no futuro. Essa foi a grande questão proposta por Crouch. Para ser mais específica, ele queria criar uma história sobre e levar outros escritores a escrever sobre a futurologia. A futurologia busca equilibrar os referenciais quantitativos com uma leitura subjetiva de possíveis desdobramentos futuros, partindo da análise de dados disponíveis no presente. São esses mundos novos, pensados a partir de nossa realidade atual, que Crouch nos convida a conhecer.

São seis contos e é Crouch que inicia essa jornada com “Summer Frost”, no qual ele brinca com o conceito de realidade. A trama que lembra uma mistura de Matrix, Jogador n° 01 e Westworld traz Max, uma I.A. (inteligência artificial), como protagonista. Ela que foi “criada” por Riley, originalmente para um jogo, mas que se desenvolveu de uma forma inimaginável, que Riley a “extraiu” do jogo e agora vive a ter “sessões” com Max. Crouch traz para discussão um dos assuntos mais controversos quando falamos sobre o que esperar do futuro. Serão as I.A. transformadas em superinteligências incontroláveis pelos humanos e que poderão provocar nossa destruição? Esse temor percorre toda a narrativa do conto, que tem um ritmo alucinante e garante uma leitura frenética.

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Rinha de Galos (María Fernanda Ampuero)

Rinha de Galos é uma coletânea de treze contos. Treze histórias nas quais María Fernanda Ampuero traz a realidade para a ficção e escancara a violência, em suas mais variadas facetas, mas sempre ali, tendo as mulheres como principais vítimas de suas vorazes garras. “Acho que escrevo como escrevo porque estou furiosa, porque a violência contra os mais fracos, principalmente meninos, meninas e mulheres, me enche de raiva e não sei como lutar para tornar visível toda essa violência. Escrevo para gritar, acho. Escrevo gritando.” Ressignificar, amplificar e divulgar a realidade, talvez seja um dos papeis mais significativos da literatura e Ampuero o faz com maestria. Com um texto potente e envolvente que escancara o Equador, mas que também ressoa muito o cotidiano de toda a América Latina.

“Certa noite, a barriga de um galo estourou enquanto eu o carregava nos braços como se fosse uma boneca, e descobri que aqueles homens tão machos que gritavam e atiçavam para que um galo rasgasse o outro de cima a baixo tinham nojo da merda, do sangue e das vísceras do galo morto. Assim, eu passava essa mistura nas mãos, nos joelhos e no rosto, e eles paravam de me importunar com beijos e outras idiotices.” (Página 9).

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Arquivado em Lendo aleatoriamente, Resenhas da Núbia, Volta ao Mundo em 198 Livros

Duna (Frank Herbert)

Apesar de já ter um certo costume em ler ficção científica, confesso que às vezes caio em algumas armadilhas montadas por pressupostos. Narrativa árida, trama confusa, muitos personagens, background de mundos, classes sociais e política difícil de desemaranhar. Foi o que me manteve afastada de Duna durante um bom tempo. Comprei o livro quando a Editora Aleph lançou lá atrás, guardei na estante, lançaram uma nova edição, troquei a minha antiga por esta e tornei a colocar na estante. E, ainda bem que veio o filme do Villeneuve e minha mania de assistir ao filme só depois de ter lido o livro reinou. A história de Frank Herbert me pegou de jeito. Publicado em 1965, quem diria que um planeta sedento por água poderia ressoar tanto em nossa atualidade? Talvez resida aí a beleza das histórias de ficção científica bem escritas. Há sempre algo que pode ser interpretado à luz do que estamos vivendo. Lembrar que isso foi imaginado há mais de cinquenta anos, torna a história ainda mais envolvente.

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Um Homem Bom é Difícil de Encontrar e outras histórias (Flannery O’Connor)

Mary Flannery O’Connor nasceu na Georgia em 1925. Assim que se formou em Ciências Sociais, partiu para o norte em busca de novas experiências e de uma carreira literária. Em 1952, mesmo ano da publicação do seu primeiro romance, O’Connor descobriu que tinha lúpus, a mesma doença que matara seu pai. Acabara ali sua vida errante, tendo de voltar a vida no campo no sul. Ali, não se entregou a doença e escreveu mais um romance e mais trinta contos. “Um Homem Bom é Difícil de Encontrar e outras histórias” foi sua primeira coletânea de contos, publicada em 1955. Um perfeito retrato da famosa contista considerada um expoente da literatura gótica sulista. O grotesco, a tragédia, o conservadorismo, a religião, o preconceito, a mesquinhez humana, são elementos que estão presentes na obra.

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Estação Atocha (Ben Lerner)

“(…) quando imaginava – pressentimento terrível – um mundo privado até mesmo dos pretextos mais idiotas para escrever poemas (…), então eu intuía uma perda inestimável, uma perda não de obras de arte, mas da própria arte, e portanto infinita, o triunfo total do real, e me dei conta de que em um mundo assim eu engoliria uma cartela inteira de comprimidos brancos.” (Página 55).

Quando li a sinopse de Estação Atocha achei que a trama guardava muitas semelhanças com A Velocidade da Luz do Javier Cercas, a diferença residindo no caminho inverso traçado pelos protagonistas. Lá o protagonista espanhol ganha uma bolsa de estudos nos Estados Unidos, aqui é um americano, Adam Gordon, que parte para Madri com uma bolsa de estudos com um projeto para finalizar um longo poema sobre a Guerra Civil Espanhola. Mas, se o protagonista de Cercas respirava literatura, o de Lerner adora uma elucubração, principalmente quando o exercício o mantém alienado do seu projeto.

O romance de Lerner conta com muitas referências à literatura, música e artes visuais. Se você não tem uma leitura de apoio (com direito a ilustrações) como a da TAG, fazer uso da internet se torna essencial para poder visualizar as obras citadas pelo autor. Ainda que a desconexão artística vivenciada por Adam tente manter-nos alheios às artes que nos cercam, a imersão proporcionada pela narrativa de Lerner ainda assim nos convida a conhecer um pouco mais as obras de arte que seu protagonista entra em contato. Uma tarefa difícil, confesso, quando Adam é o que podemos chamar de cultivador da preguiça. Ele deixa a vida “levá-lo” no seu projeto, na sua experiência em um país no qual não se esforça realmente em aprender a língua, na sua entrega a arte. E ele é consciente disso. É como se fizesse questão de se manter em constante desconexão artística, mesmo quando imerso nela.

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Temporada de Furacões (Fernanda Melchor)

“(…) os cinco cercados por moscas verdes reconheceram enfim o que assomava sobre a espuma amarela da água: o rosto putrefato de um morto entre os juncos e as sacolas de plástico que o vento empurrava da estrada, a máscara preta que fervilhava com uma miríade de cobras negras, e sorria. ” (Página 18).

Quando Fernanda Melchor idealizou este livro, ela queria fazer um livro-reportagem. A notícia de um cadáver de um bruxo, encontrado num canal de irrigação em um vilarejo canavieiro, suspeito de ter sido morto por seu amante para vingar a doença que afligiu sua esposa supostamente por causa de feitiços feitos pelo bruxo em questão. Melchor queria enfocar o fato da bruxaria ser utilizada como motivo plausível para justificar crimes bárbaros, mesmo pelas autoridades policiais. Mas, as dificuldades de buscar dados em uma região dominado pelo narcotráfico e pela violência contra as mulheres, a fez optar por enveredar pelo campo da ficção.

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A Era da Escuridão (Katy Rose Pool)

“Sete Profetas que cercavam o Círculo de Pedras. Endarra, a honesta, com uma coroa de louros; Keric, o caridoso, oferecendo uma moeda; Pallas, o fiel, segurando um galho de oliveira; Nazirah, a sábia, carregando a tocha do conhecimento; Tarseis, o justo, segurando uma balança; Behezda, a misericordiosa, com as mãos estendidas; e o Viajante sem rosto. Sete estátuas para os sete homens e mulheres mais sábios da Antiguidade, que procuraram o conhecimento do destino do mundo para que pudessem servir melhor ao seu povo. Que tinham dado ao povo o poder das Quatro Graças dos Corpo. Que tinham vivido por mais de dois mil anos, guiando o seu destino. ” (página 93)

O Continente Pélagos é composto pelas cidades proféticas que foram fundadas pelos Sete Profetas, os homens e mulheres mais sábios da Antiguidade. Hoje, eles desapareceram deste mundo, assim como suas profecias, exceto uma, a que prenuncia a chegada da Era da Escuridão. É com essa premissa que Katy Rose Pool nos convida a mergulhar no primeiro volume de sua trilogia. Nesse mundo, habitado por pessoas comuns, guerreiros bem treinados e pessoas com dons sobrenaturais chamados de Agraciados, cinco jovens têm suas vidas entrelaçadas pelos meandros dessa antiga profecia.

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Uma Casa no Fim do Mundo (Michael Cunningham)

Michael Cunningham conheceu Virginia Woolf ainda na adolescência e logo estabeleceu uma conexão afetiva e artística com a autora. Foi inspirado nela que adentrou ao mundo da escrita; foi homenageando ela que ele recebeu o maior prêmio de sua carreira; e é no uso do fluxo de consciência, ainda que de forma tímida algumas vezes, e nos pensamentos digressivos de seus personagens, que ao ressoar a técnica tão bem empregada por Woolf, ele nos entrega uma narrativa a quatro vozes em uma explosão de solilóquios mentais que grudam o leitor às páginas de Uma casa no fim do mundo.

O romance, publicado em 1990, é considerado por Cunningham como sendo sua verdadeira estreia no meio literário, apesar de ter publicado um livro antes (em 1984). Nele o autor traz a história de um trio de jovens que na busca por encontrar seu lugar no mundo, ousaram seguir caminhos pouco convencionais mesmo na sociedade americana da década de 1980 ainda fortemente influenciada pelos ideais libertários do Festival de Woodstock. A trama que engloba mais de vinte anos, primeiro nos anos de 1960 em Cleveland e mais tarde nos anos de 1980 em Nova York, perpassa pela utopia hippie, a cultura gay nos Estados Unidos e a disseminação da AIDS. Temas espinhosos, mas tratados com a sensibilidade necessária sem deixar de lado a crítica social. Continuar lendo

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