“As pessoas acham que eu não devia sentir falta das coisas porque tenho a lembrança delas guardada na caixa do meu cérebro, mas essas lembranças só me fazem sentir mais falta das coisas. É por isso que foi tão difícil agir normalmente hoje no restaurante, enquanto todo mundo bebia daquelas taças chiques: porque eu estava vendo a vovó Joan de verdade, sentada à mesa com a gente. Eu queria falar com ela sobre a minha música, mas não podia porque ela não estava ali . ” (Página 192)
Síndrome da memória autobiográfica altamente superior, lembrar-se com detalhes de tudo o que viveu, é assim com Joan a protagonista de Val Emmich em Os prós e os contras de nunca esquecer. Mas, a garotinha de 10 anos carrega consigo um grande medo, o de ser esquecida. Gavin, o outro protagonista dessa história, acabou de perder o grande amor de sua vida e as lembranças dele ainda machucam. Ambos começam essa história em lados opostos dos Estados Unidos, mas a trama não demora a convergir. Gavin cantava na banda do pai de Joan, e Sidney, o marido de Gavin, era o melhor amigo desde sempre da mãe dela. E é claro que o casal se oferece para receber Gavin em casa e ajudá-lo nesse momento em que a perda ainda é tão recente. Joan, apesar de entender o sentimento de perda, está com outras preocupações em mente. Como compor uma música que a torne famosa (e inesquecível) e quem sabe evitar no processo que o pai tenha de fechar o estúdio de gravação, seu paraíso infinito particular. E é claro que Joan quer a ajuda de Gavin, mas tem de convencê-lo a ajudar.
E a ajuda de Gavin é garantida pela figura, ou melhor, pelas lembranças de Sidney. Ele não demora a perceber o poder da memória de Joan e quando descobre que ela tem memórias preciosas de seu companheiro, não consegue mais dizer não a Joan.
Enquanto Joan e Gavin mergulham na tarefa de compor uma música inesquecível. Joan vai lidando com as incertezas de sua peculiar condição e à solidão que ela parece lhe reservar, por ter certeza de que no fim das contas ela será a única a se lembrar. Gavin lida com a perda, aprende a se lembrar de Sidney com carinho e saudade e não somente com desolação, e descobre que Sidney tinha planos não compartilhados, planos que serão uma jornada de descoberta e libertação para ele.
Ainda que a amizade entre uma garota de 10 anos e um homem nos seus cinquenta possa parecer incongruente, Emmich a trata com leveza e de forma bastante natural, e sim, talvez o entendimento de mundo de Joan possa ter facilitado os diálogos entre ela e Gavin, mas no fundo ela é só uma criança que também tem seus receios, manias e uma vontade inata de se divertir, que Gavin também soube respeitar. A forma tão natural como Joan trata o relacionamento de Gavin e Sidney, também é um alento mais do que bem-vindo. Tudo isso embebido em muitas referências musicais, aliás a música é praticamente outro personagem nessa história, e é a experiência catártica que ensina a Joan que está tudo bem não ser lembrada por todos, e à Gavin que também está tudo bem esquecer pequenos detalhes e que no início até pode doer lembrar, mas que os sentimentos que acompanham os grandes momentos inesquecíveis fazem a jornada ao mundo das memórias valer a pena. Pode até soar piegas e parecer uma história despretensiosa, mas ao juntar personagens tão díspares, Emmich entregou uma trama sensível sobre memórias e sobre perdas e as formas que encontramos para lidar com elas.
Eu li na edição especial do Clube Intrínsecos, mas a edição comercial do livro da Emmich já está à venda.
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