
A história se passa na Glasgow dos anos 1980 e 1990, quando a depressão econômica fechou fábricas, estaleiros, carvoarias, deixando à própria sorte a vasta classe trabalhadora da cidade. O romance com traços autobiográficos traz como tema principal a parentalização infantil, que ocorre quando o filho passa a se encarregar das funções parentais conforme entendidas no contexto sociocultural e histórico em que ele vive. É esse papel que Shuggie Bain, o protagonista desta história, teve de assumir ainda na tenra infância. Ao mesmo tempo que teve que lidar sozinho com as diferenças que ele via entre ele e as outras crianças de sua idade e todos os abusos que sofreu advindos disso.
“Sentia que havia algo errado. Algo dentro dele parecia estar organizado de forma incorreta. Era como se todos percebessem, mas ele fosse o único que não soubesse dizer o que era. Era apenas diferente e, logo, era errado.” (Página 197).
Toda a trama se passa entre 1981 e 1992. Em 1981, Agnes Bain, então com 39 anos, tinha três filhos, um marido e morava na casa dos pais. Este, que já é o seu segundo casamento, tem todos os sinais de um relacionamento abusivo. E Agnes, desconta tudo isso nas bebidas. Criando um ciclo de violência e bebidas que acaba por afastar cada vez mais seus filhos mais velhos que não veem a hora de sair de casa. Mas, eles ainda relutam, ainda acreditam em uma salvação para a mãe. Mas, quando o marido decide que é hora deles saírem da casa dos pais e aloca a família na desoladora e suburbana Pithead, para depois deixá-los a própria sorte. É então que a queda vertiginosa de Agnes em direção ao precipício se acelera. E não dá para dizer que Agnes não tentou, mas sendo cria de um contexto machista e uma criação que não lhe preparou para ser independente. Ao ver-se sozinha não encontra saída, uma chance de crescer sem ser atrelada a um homem. E, são nos momentos de mais fragilidade da mãe, que Shuggie, o filho mais novo, tem pouco a pouco a infância silenciada. Aos poucos, os filhos vão desistindo, até que só sobra Agnes e Shuggie. Shuggie que aprendeu a esconder os abusos sofridos, até porque não haveria alguém apto para lhe dar atenção. Que até tentou suprimir a forma como se sentia e abafar suas preferências para tentar se adequar às imposições da sociedade. Shuggie que foi alienado por toda a família, desde sempre. E que teve de crescer sendo mãe de sua mãe.
“Shuggie teve vontade de dizer que já fazia isso. Que fazia isso desde que tinha sete anos.” (Página 433).
Aos 15 (fingindo ter 16) Shuggie foi morar sozinho. Uma criança que nunca teve a chance de ser criança, obrigado a ser adulto, sozinho. O futuro não é muito promissor, mas ainda há esperança e o companheirismo de uma amizade improvavelmente cultivada.
*A História de Shuggie Bain foi enviado como edição especial no extinto Clube Intrínsecos (Intrínsecos #37) em Outubro de 2021.
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Núbia!! Lindo texto mulher! Deu vontade de ler o livro. Quero falar contigo.
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