Todo Dia (David Levithan)

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“O corpo é a coisa mais fácil à qual se ajustar quando se está acostumado a acordar em um corpo novo todas as manhãs. É a vida, o contexto do corpo, que pode ser difícil de entender.

Todo dia sou uma pessoa diferente. Eu sou eu, sei que sou eu, mas também sou outra pessoa.

Sempre foi assim.”

Todo dia A acorda em um corpo diferente, uma vida diferente que exige que ele se adapte rapidamente. Sempre foi assim, ele não sabe como isso funciona e após inúmeras teorias frustradas, parou de tentar entender. Suas únicas certezas? Todas as pessoas que A habita tem sua idade e nunca é a mesma pessoa duas vezes. O passado e o futuro também não lhe pertencem, somente o presente pode ser vivido e apenas através do corpo de outrem. Durante 24h uma nova vida se descortina e A se atem às suas regras para conseguir levar adiante essa existência singular: nunca se apegar e jamais interferir. Dezesseis anos sendo assim foram um bom treino, A geralmente não erra mais, não coloca mais a vida dos hospedeiros em risco e nem interfere em suas vidas…

Só que no dia 5.994 A acorda no corpo de Justin e conhece sua namorada Rhiannon e pela primeira vez em muito tempo sente vontade de descobrir mais sobre uma pessoa do círculo de relacionamentos de um hospedeiro. Após ter aprendido a duras penas não se importar em criar relações duradouras, A esquece isso por causa dessa garota. Ao analisar e perceber que o relacionamento de Justin e Rhiannon está muito errado e que o garoto não é capaz de fazê-la feliz, A percebe que se importa com isso mais do que deveria e mesmo sabendo ser errado A dá a Rhiannon um dia como Justin nunca daria a ela. E pela primeira vez, A não queria ter de ir embora, pela primeira vez ele não queria esquecer…

Para estar com Rhiannon, A começa a interferir cada vez mais na vida de seus hospedeiros, e o quanto isso é ético acaba virando um borrão cinza. Cada vez mais A começa a achar que os fins justificam os meios, mesmo que os meios algumas vezes deixem os hospedeiros em situações perigosas e desesperadoras. E sim, é impossível não sentir empatia pela causa de A, mas ora bolas, como aceitar que pessoas como Nathan Daldry ou outros sofram por isso? Esses sentimentos conflitantes nos acompanham ao longo de toda a leitura e tornam o acompanhar do desenrolar da história ainda mais dramático. A está destinado a ser o todo quando tudo o queria era ser um, condenado a uma existência solitária mesmo cercado de gente e nunca tendo a experiência de pertencer a alguém, a algum lugar. Como não ficar na torcida para que seus anseios possam ser possíveis? Foram apenas quarenta capítulos, quarenta dias acompanhando A em quarenta vidas diferentes tentando manter um relacionamento com Rhiannon, quarenta dias tentando fazer a garota entender sua realidade e a acreditar em um futuro possível para os dois.

Levithan criou um romance singular, criativo, belo e trágico, no qual a esperança e a probabilidade caminham de mãos dadas. A esperança de ser, a probabilidade de se encontrar, a esperança de encontrar seu eu sem desfazer o do outro no processo, a probabilidade infinitesimal de A mudar sua realidade. Com um plot que beira a ficção científica, a história de A poderia ser apenas isso, um romance com um toque de irrealidade (o que por si só já seria deveras original), mas é aqui que a genialidade do Levithan entra em ação e o irreal torna-se palpável quando através dele temas tão cotidianos, alguns mais pesados outros mais sentimentais são tratados com leveza por meio das inúmeras vidas que vivemos juntos com A. Drogas, depressão, suicídio, trabalho ilegal, amizade, família, o sentimento de pertencer, questões de gênero, aparência e como isso influencia os relacionamentos. Com sua experiência singular A tem muito a nos ensinar sobre quebra de paradigmas e preconceitos, sobre aproveitar as chances que nos são dadas e fazer o melhor que pudermos dentro de nossas limitações.

Isso é o que acontece quando se trata de Levithan. O livro está repleto de ótimas passagens, muitas das quais nem estão destacadas aí.

Isso é o que acontece quando se trata de Levithan. O livro está repleto de ótimas passagens muitas das quais nem estão destacadas aí.

“Na minha experiência, desejo é desejo, amor é amor. Nunca me apaixonei por um gênero. Apaixonei-me por indivíduos. Sei que é difícil as pessoas fazerem isso, mas não entendo por que é tão complicado, quando é tão óbvio.”

 E por falar em gênero, a principal característica de A é de ter um gênero indefinido, não se sente um garoto, não se sente uma garota, mas vive alguns dias como um garoto, outros dias como garota, outros como garota que se sente garoto e por aí vai. Exprimir esse sui generis no inglês (suprimindo os pronomes pessoais) é mais tranquilo, no português por outro lado, a tarefa não é trivial e a Ana Resende, na medida do possível fez um bom trabalho de tradução, se não foi possível extinguir o uso do “ele” ou o “o”, paciência. O importante é que mesmo com os empecilhos, ao longo da narrativa fica clara a intenção de Levithan em não instituir um gênero para A, e em nada interfere na compreensão das implicações que isso tem para a história. Ponto para a Galera que aceitou o desafio de uma tradução difícil para garantir que mais leitores pudessem conhecer a obra desse ótimo autor. Se com Will & Will veio a vontade de conhecer outros trabalhos do autor, com Todo Dia Levithan definitivamente entra para a lista de autores favoritos. E que venham mais livros do Levithan!

Para quem se encantou pela história de A, saiba que o autor escreveu um prequel, lançado apenas em e-book, intitulado Six Earlier Days. Todo Dia começa no dia 5.994, Six Earlier Days fornece um pequeno retrato dos outros 5.993 dias da vida de A, seis dias anteriores de sua vida que nos permitem conhecer mais profundamente o personagem e a construção do seu eu. Já garanti meu exemplar e assim que ler resenho aqui.

Para Conferir:

  1. Six Earlier Days [Goodreads][Skoob]
  2. Todo Dia [Goodreads][Skoob]

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